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/Chama-se gipsofila. Tem a delicadeza
das nuvens pequenas, voga num ramo alto
um tanto acima das jarras
somos o púlsar das aves/ a rocha linguística/
toda potencia calquera virtualidade/ unha exposición infinita/
un infinito de dor// non cruzamos correspondencias
Chus Pato, Sonora
Chama-se gipsofila. Tem a delicadeza
das nuvens pequenas, voga num ramo alto
um tanto acima das jarras
MADONNA
People think that I’m insane
The only gun is in my brain
Madonna (& “God Control”)
a Ricardo Marques
Ferido o verão sobre o cascalho vermelho,
This is your wake-up call
a cola subia-lhe do âmago à ponta dos dedos.
I’m like your nightmare
Mastigava o silêncio, lentamente, cobrindo a
I’m here to start your day
ouro o papel e o rosto da voz que ouvia.
This is your wake-up call
Se tudo ruir amanhã, sem que eu venha a saber,
We don.t have to fall
haverá este ícone para iluminar-te o rosto e de
A new democracy
todos os outros Homens que deixaram de rezar.
God and pornography
Morta a última árvore de Imagens, esta será a luz,
A new democracy
cujo o último brilho virá da sua ponta de cigarro!
“Eu estou aqui para começar a Nova Era! Acorda!”
VT 14.06.19
O BISONTE DA TRIBO
“Toda a fronteira é desânimo.”
Maria Velho da Costa
A poesia está viciada! Contém
demasiado ego demasiado timbre.
Os modernistas rebolam no túmulo
Olhos fatiotas e versos livres.
Por vezes é preciso escrever dentro
do quadrado para negar o quadrado
Ou apenas negar o quadrado para
roubar em ardor o quadrado.
Certo dia um poeta cansado da sua
cabeça deu-a a um pintor. Trocadas
as cabeças cada um pensava em
função do outro. Negavam-se e
afirmavam-se numa luta diária. Aos
olhos da tribo nenhum tinha razão.
EGOS DE PAPEL
“Mereço amplamente o Prémio Camões
porque não tenho facebook e não me contagio.
Já ganhei dois APE’s e posso dizer o que quero.
Oceanos? Não, Obrigado. Eu escrevo Literatura!”
- Dizia o Senhor Sar em Guadalajara.
Decifrada e atualizada esta pequena nota
neste nosso ano de 3089 nenhum estudioso
compreendia a mensagem do Senhor Sar.
Uma coisa era certa: Ninguém mais o(s) lia.
LIÇÃO NÚMERO 1
Aos Rolandos viveiros
deste mundo
Estender as partículas do perfume
a quem somente não mente no querer.
GENTE RIDÍCULA
Gente ridícula somos todos nós. Sobretudo
aqueles que não se acham ridículos.
O LEITOR DE POESIA
O Rigoroso leitor de poesia
sabe muito bem o que é poesia:
palavras eloquentes que vão
do segmento A ao segmento B.
Eu não sei o que é Poesia!
Tudo o que sei é que o seu corpo
vai além da forma segmento e
convenções estipuladas.
SEXTA-FEIRA
De cada lado um maravilhado suspiro
libertava a tensão dando à vítima a
tranquila paz de espírito. Há que ter
os papéis dobrados vincados ordenados
deixados a descansar na devida gaveta.
Pincéis e cores do outro lado do vidro
davam à outra margem a paz branca
a que esclarece e acalma a irritação.
Eu no meio era um fósforo há muito
Tempo queimado restava-me apenas
ficar e fingir de morto ou que não tinha
inteligência para atingir tão nobres sons.
Ah, pintor, dizia descansado o estudante
de letras no seu polo monocromático.
Ah, poeta, dizia o estudante de pintura
fingindo-se descalço do largo tempo.
Identificar definir circunscrever na outra
margem (oposta) dava aos interlocutores
a tranquilidade bem passada branca.
Sem nunca contrariar acenava com a
Cabeça que sim e cuspia com os olhos
a mais uma conversa imbecil. Nunca
provoques um Anticorpo sobretudo
à sexta-feira. Suspira, por favor, Longe.
Vítor Teves - “Like a virgin” [Madonna], Colagem feita em 2001, na Ribeira Grande, aos 18 anos, a partir de uma fotografia de Herb Ritts.
“Uma pátria de reles alternativa
não frutifica.”
Joaquim Manuel Magalhães
“Tem sabor a sangue o amor”
João Miguel Fernandes Jorge
Numa tarde de 2005, farto de aturar canalha, saí do Liceu Antero de Quental, em Ponta Delgada, e fui passear pela cidade. Como segui pela direita, dei com uma livraria (hoje desaparecida) e de cujo nome não me recordo, uma que ficava ao lado da Tabacaria Açoriana. Na secção da poesia encontrei uma revista estranha, estranha porque mais parecia um pequeno livro – Telhados de vidro #4-, abri e encontrei um poema com o título: “Homossexualidade”. Tinha 22 anos; desistira do curso de Sociologia na Universidade dos Açores; regressara ao Liceu para aprender aquilo que já sabia; trabalhava a part time para pagar os estudos (isto nunca mudou) e vivia “no armário”. Ali, meio perdido na livraria, lia o poema com espanto. Comprei a revista.
Em 2010, comprei “Um Toldo Vermelho”. Na altura não percebi o “burburinho”. Quando muitos falam mal de um Objeto, algo se passa de errado; as “massas” têm por norma avaliar erradamente aquilo que é novo ou diferente, fechadas num conservadorismo tacanho. Comprei porque era o autor daquele poema de 2005. Nada sabia do autor, ou relações com outros autores. Li o livro, não percebi. Reli, li, reli, li… continuo a lê-lo até hoje. Nunca tive vontade de procurar poemas de outros livros, até 2018.
Por volta de 2013, creio, numa nova leitura, resolvi pintar o poema. Dividi o poema como quis, contei as páginas e pintei as folhas com linhas – queria uma união entre o geométrico e o orgânico, entre o expressivo e o racional, entre o abstracionismo abstrato e o minimalismo – depois transcrevi o poema. As folhas são banais, as pinceladas paupérrimas, mas a ideia é essa mesmo. Hoje, vejo que grande parte desta serie de pinturas de pequenas dimensões se deve, em grande parte, ao impacto, por volta de 2008/2009, de Cy Twombly, sobretudo da obra “Bacchus”. É provável que ninguém goste desta série, mas ela NÃO FOI feita para agradar a ninguém. Fi-la porque quis e da forma como quis: com papel às riscas e só numa cor: a cor do sangue e da terra. É provável que nem ao autor agrade; e ele que me desculpe a apropriação indevida, sem autorização, do seu poema.
Já neste ano, de 2019, resolvi fazer-lhe uma “capa” e partilhá-lo na Enfermaria6. Mais do que tudo, é um objeto de importância pessoal. Partilho-o, aqui, porque ando a repintá-lo, entre outros poemas de João Miguel Fernandes Jorge, Rosa Maria Martelo, Catarina Nunes de Almeida, José Ricardo Nunes, Andreia C. Faria, Francisca Camelo, Miguel Filipe Mochila, Pedro Braga Falcão, Eduíno de Jesus, José Pedro Moreira, Tatiana Faia, Michel Kalaban…
Entre todos os poemas que gosto, e os que fazem parte da minha vida, está este do Magalhães. Pintar poemas nunca foi uma novidade para mim, sempre o fiz e sempre fiquei aquém do poema que escolho para pintar. Quero continuar a ser um “impostor” - coisa que nunca fui- não bati com a cabeça e comecei, aos 36, a pintar, a desenhar, a escrever poesia, etc… O importante, diz Cesariny, “é não ter medo”, e eu já não tenho medo de mostrar o que faço. Hoje, já fora do armário, vivo com o Daniel e tenho dois gatos: Ariel e Kafka; e tudo o que quero é fazer o que gosto e estar com os que amo. Distribuem as folhas de louro a quem quiserem!
Este é um dos poemas do século XXI: “Homossexualidade“ de Joaquim Manuel Magalhães.
Fiz esta versão, a de 2013, com 30 anos. A de 36 anos, a deste ano, está quase pronta, mas não tenciono mostrá-la, pelo menos por agora. Talvez nunca venha a conhecer a luz do dia, mas isso não importa. No fundo, nada irá durar.
Porto, 25.06.19
Texto escrito ao som de Tchaikovsky - Hymn of the Cherubim.
[A minha vizinha, da Ribeira Grande, morreu no outro dia, sozinha numa cama de um lar, sem filhos para lhe apertar a mão; ela que gostava de sentar-se num degrau, abaixo de minha casa, e ouvir Tchaikovsky, Wagner, Bach e Händel, nomes que vibravam da minha janela. Louvado seja os que procuram o diferente.]
Quando o osso do sol atinge os campos,
e a superfície de água que neles infunde o Inverno
irradia em esquírolas ensanguentadas,
a luz de que são feitas acende nos interstícios da manhã
as imagens fortes da distância.
Está um langor de cemitério,
paira sobre as águas um espírito infernal,
a minha cabeça fervilha na antecipação da fome.
Pôs-se uma manhã limpa como o escárnio,
estou prestes a ser feliz
De João Moita, Uma Pedra Sobre a Boca, Guerra e Paz, 2019
Tradução de João Moita
O céu tão pálido e as árvores esguias
Parecem sorrir às nossas roupas claras,
Que flutuam no ar, como movidas
A indolências e a golpes de asas.
E a brisa suave sulca o lago singelo,
E o resplendor do sol, que atenua
A sombra das tílias da avenida,
De livre vontade agoniza e azula.
Hábeis farsantes e belas coquetes,
Do amor cativos, mas das juras libertos,
Com deliciosa lábia cavaqueamos,
E se mãos se insinuam nas amantes,
Como quem não quer respondem por vezes
Com uma bofetada que trocamos
Por um beijo na ponta da falange
Do dedo mindinho, e como a coisa
Já está a passar de todas as marcas
Castigam-nos com um olhar severo,
Que, de resto, contrasta com o amuo
Clemente que a boca faz com esmero.
Paul Verlaine, Fêtes Galantes, 1869
À la promenade
Le ciel si pâle et les arbres si grêles
Semblent sourire à nos costumes clairs
Qui vont flottant légers avec des airs
De nonchalance et des mouvements d'ailes.
Et le vent doux ride l'humble bassin,
Et la lueur du soleil qu'atténue
L'ombre des bas tilleuls de l'avenue
Nous parvient bleue et mourante à dessein.
Trompeurs exquis et coquettes charmantes,
Coeurs tendres mais affranchis du serment,
Nous devisons délicieusement,
Et les amants lutinent les amantes,
De qui la main imperceptible sait
Parfois donner un souffle qu'on échange
Contre un baiser sur l'extrême phalange
Du petit doigt, et comme la chose est
Immensément excessive et farouche,
On est puni par un regard très sec,
Lequel contraste, au demeurant, avec
La moue assez clémente de la bouche.
Livros, filmes, ideias.