O mais triste sou eu
/Disseste que me vias como a pessoa mais infeliz de Lisboa e que me ajudarias a sair do buraco e que conquistaríamos o mundo, tu com a tua força e eu com a minha luz por revelar. Acreditei na tua energia durante horas, dias, não sei durante quanto tempo, acreditei que me tirarias do poço. Corremos e sorri, coisa rara, sorri contigo naquele triste fim de verão. Um verão ainda assim diferente por no meu peito existir uma esperança de fugir, de apanhar um avião e desaparecer para um sítio onde ninguém me conhecesse, um sítio onde eu não me conhecesse e pudesse renascer e transformar-me em fogo e raios de alegria. Pensava em ti desde aquele jogo de futebol transmitido em ecrã gigante no jardim, desde que me dirigiste aquele olhar que desvalorizei por pura timidez, por me achar o mais feio. Mirava-te de esguelha em qualquer evento em que estivesses presente, aproveitava qualquer oportunidade em que estivesses distraída para te contemplar. "Vem comigo", disseste-me certa vez. Deste-me a mão, subimos a rua, entrámos em tua casa. O meu casaco ainda guarda o teu perfume, meses depois, o teu cheiro na minha roupa, cheiro que evito para não me afundar mais. Deste-me a mão. Só os dois e o escuro e o teu cheiro e os teus braços a puxarem-me. A minha estupidez não tem limites, afasto aqueles que me amam. Cruel destino que me fez largar-te e mentir-te e desaparecer na noite escura e cobrir-me de silêncio. Fui hipócrita naquela tarde em que afirmei que precisava de me descobrir, não me tencionava descobrir mas voltar aos velhos hábitos, à vidinha, às pisadelas. Os teus abraços e pedidos para que te olhasse nos olhos e negasse o que sentia, o teu choro quase animalesco, na altura nojento, sei lá porquê, nojento como eu me sentia, o teu choro e o meu peito apertado, eu sabendo que aquilo era um erro, que talvez tivesse desperdiçado a última chance de mudar. Fiz-te mal, soube que por minha causa tiveste vontade de morrer. Todo os dias penso em morrer e recordo aquela vista linda da tua casa e aqueles dias maravilhosos que nunca passaremos juntos. Depois tenho ideias erradas, como pedir que me envies uma fotografia tua ou sentar-me à entrada do teu prédio ou telefonar-te ou escrever-te ou procurar-te até te encontrar ou ficar deitado na cama pensando nos sonhos destroçados pela cobardia e nos novos sonhos que também a cobardia um dia destroçará ou implorar de joelhos para que me perdoes, para que não esqueças aqueles dias e me recordes como aquela pessoa envergonhada para pedir um copo de água e ao mesmo tempo vaidosa o suficiente para se despir no meio da tua sala e fazer flexões como se fosse o maior garanhão do pedaço.