Dois poemas de Antonio Delfini

Tradução: João Coles


Não te conheço
nem vou querer saber quem és
somente um candeeiro
nos dirá
do nosso encontro
um candeeiro que se apagará
um candeeiro que não dará mais luz
um candeeiro que um dia
não nos dirá
mais nada
esquecido
o nosso encontro.


Caluda caluda
que vem aí o poeta
deixemo-lo passar
falem baixo meninas
abram as janelas
com suavidade
Numa cidade
de trinta mil habitantes
em mil novecentos e trinta e dois
ainda há gente
que espera que o poeta
passe
com o seu passo mortiço
Esperam que ele passe
não por respeito
mas porque é tão curioso
ver um poeta
com um casaquinho
apertadinho apertadinho
Mesmo as raparigas
mais modernas
esquecem por um minuto
o alfa romeo...
para ver o poeta
e rir
rir tanto
daquele seu casaquinho
coitadinho
tão pequenino.

In Poesie della fine del mondo, Einaudi


Non ti conosco
non vorrò sapere chi sei
soltanto un lume
ci dirà
il nostro incontro
un lume che si spegnerà
un lume che non farà più luce
un lume che un giorno
non ci dirà
più niente
dimenticato
il nostro incontro.

Zitti zitti
che c’è il poeta
lasciamolo passare
fate piano ragazze
aprite le finestre
con dolcezza
In una città
di trentamila abitanti
nel millenovecentotrentadue
c’è ancora della gente
che aspetta il poeta
passare
col suo passo smorzato
Lo aspettano passare
non per rispetto
ma perché tanto curioso
vedere un poeta
col giacchetto
stretto stretto
Anche le ragazze
più avanzate
scordano per un minuto
l’alfa romeo…
per vedere il poeta
e ridere
ridere tanto
su quel suo giacchettino
poverino
tanto piccolino.

In Poesie della fine del mondo, Einaudi

Tu; Feriado

Tradução: João Coles

TU

Quando a vida se enrodilha sobre si
e não encontra a cauda,
quando em volta te olhas e não há nada,
quando tens fome,
quando não sabes o que fazer,

és verdadeiramente tu.

Quando o passado
é uma paisagem fechada num quarto escuro,
um retrato mal feito,
quando a esperança se seca
como um velho tronco morto,

és verdadeiramente tu.

Quando te deténs para pensar, e pensar
é a última coisa que queres fazer,
quando não há lugar nem maneira,
quando não sabes porquê,
quando te tornas incómodo,

és verdadeiramente tu.

Quando todas as coisas são pilares de nada,
um peso cego sobre as costas,
quando a garganta engole a escuridão,
quando tudo está decidido,
e te custa a perpetrar,

és verdadeiramente tu.

Quando o espírito se preenche
de nuvens negras e dos olhos
te caem todas as chuvas,
quando um amigo parte,
e não sabes se queres permanecer deste lado,

és verdadeiramente tu.

Quando a derrota é o único espelho
das tuas tentativas,
quando sob o último golpe
estás em queda e não sabes explicar
porque é que para te ergueres te preparas,
sim,
és verdadeiramente tu.

FERIADO

Vemo-nos à hora em que
o dia se guarda no espírito
e vencido por uma ternura irresistível
se abandona à noite,
minutos que ardem
no topo da cidade,
e toda a luz da manhã
é vertida nos cálices.
Os corpos trampolins de pensamentos
altos e simples como rios,
virados para o mar atrás de cada olhar amigo.
A sede das bocas
não espera resposta,
é forte em abundância,
é uma flor vermelha plantada
no meio de música selvagem,
dá-se em risadas que esquecem
cada momento e cada sentido.
Só saltos e cores,
só acenos e sabores, inúteis e reais,
só o estrondo que fala em segredo.
Pode calhar,
entre pessoas e instantes,
pode calhar veres-me
enquanto desvio
o olhar em direcção a um vazio.
Mas nenhum dos meus pés
se dirige à solidão.
Se prestares atenção,
as escuridões e as angústias do andar de baixo,
que as vassouras batem nos tectos,
têm o mesmo ritmo desta festa,
do passo de dança
que nasceu de uma qualquer queda.
Pois então não te preocupes,
voltei no ar denso de notas e de risos,
na terra que nos assemelha
são vocês os meus navios
nesta viagem sem partida.
De novo o copo vazio,
outro jogo que o mundo entorna,
e, levemente,
à volta das estrelas dos nossos olhos
a escuridão que confunde
as palavras da noite.


TU

Quando la vita si è attorcigliata su sé
e non trova la coda,
quando intorno ti guardi e non c’è nulla,
quando hai fame,
quando non sai cosa fare,

sei veramente tu.

Quando il passato
è un paesaggio chiuso in una stanza buia,
un ritratto fatto male,
quando la speranza è secca
come un vecchio tronco morto,

sei veramente tu.

Quando ti fermi a pensare, e pensare
è l’ultima cosa che vuoi,
quando non c’è posto e non c’è modo,
quando non sai perché,
quando ti sei scomodo,

sei veramente tu.

Quando ogni cosa è un pilastro per nulla,
sulle spalle un peso cieco,
quando la gola inghiotte il buio,
quando è deciso tutto quanto,
e fai fatica a perpetrare,

sei veramente tu.

Quando si riempie di nuvole nere
lo spirito e dagli occhi
tutte le piogge ti cadono,
quando un amico se ne va,
e non sai se vuoi restare di qua,

sei veramente tu.

Quando la sconfitta è l’unico specchio
dei tuoi tentativi,
quando sotto l’ultimo colpo
stai cadendo, e non sai spiegarlo
ma a rialzarti ti stai preparando,
sì,
sei veramente tu.

FESTIVO

Ci vediamo all’ora in cui
il giorno si guarda nell’animo
e da una tenerezza irresistibile vinto
si abbandona alla sera,
minuti che ardono
sulla parte alta della città,
e tutta la luce del mattino
nei calici è versata.
I corpi trampolini a pensieri
alti e semplici come fiumi,
tesi al mare dietro ogni occhio amico.
La sete delle bocche
non attende risposte,
è forte di abbondanza,
è un fiore rosso piantato
in mezzo a musica selvatica,
si dà in risate che dimenticano
ogni tempo e ogni senso.
Solo salti e colori,
solo cenni e sapori, inutili e veri,
solo il frastuono che parla in segreto.
Potrà capitarti,
tra le persone e tra gli istanti,
potrà capitarti di vedermi
mentre mi lascio scappare
lo sguardo verso un vuoto.
Ma nessuno dei miei piedi
alla solitudine è rivolto.
Se presti attenzione
i bui e le angosce dal piano di sotto,
che le scope sui soffitti battono ,
fanno il ritmo alla festa di qua,
al passo di danza
che da qualche caduta nacque.
E allora non preoccuparti,
rieccomi nell’aria densa di note e di risa,
nel paese che ci rassomiglia,
siete voi le mie navi
per questo viaggio senza partenza.
Un'altra volta il bicchiere vuoto,
un altro gioco che il mondo rovescia,
e, lievemente,
intorno alle stelle dei nostri occhi
il buio che confonde
le parole della sera.

Dois poemas de Fernando Colitta: “Auto-retrato. Noite adentro” e “Pergunta para Esenin”

Tradução: João Coles

AUTO-RETRATO. NOITE ADENTRO

Escuta o baque surdo e curto do cotovelo,
que pousa na mesa indiferente e muda.
Somente ao outro se segue a mão maleável,
este sustém à cabeça o novo tronco e o novo pescoço.

Repara na minha elegância de homem de pé a degradar-se,
a degradar-se intacta sobre a mesa.
Entre as folhas umas mais outras menos brancas
escondem-se ao desleixo moedas para as compras.

Os vermes entre as jóias
facilmente vivem.
Se olhar para a cómoda
facilmente desaparecem.

Repara no fundo do mundo a perfilar-se
numa rua do mundo que sossega para lá do vidro,
repara no insinuar deste rosto criado ao acaso
que a sós se olha sem espaço para Narciso.

Enquanto isso entre as jóias
passeiam longos vermes.
Não olhes para a cómoda,
que eles de imediato se solapam.

Mas será que sempre foi ou é agora que é assim?
Na janela o vago busto preferiria a segunda.
Nos olhos descobre imovelmente uma coisa,
um baú, um olhar, uma faca perdida.

De relance repara na estrutura evaporando-se,
agora a cabeça acompanha os olhos no afã.
Bastou a dúvida para virar o retrato,
as costas para a janela, o cu para a mesa.

No enredo dos móveis e bibelôs se perde,
por todo o lado procura e tudo desarruma.
Numa gaveta encontra por fim poucos indícios de provas.
Há vida, mas não dá resposta alguma.

Sobre a cómoda
facilmente vivem.
Se ouvirem um passo
facilmente desaparecem.

Repara entre as jóias
onde habitam os vermes.
Esquece a cómoda,
não os perturbes.

PERGUNTA PARA ESENIN

Ainda aqui,
mesmo que qualquer fumo ou qualquer odor
de quando em quando se lembre.
Ouvir.
O que se perdeu
em troca deste tempo todo?
Tão frio que é
este ar apesar de nos acolher,
tão materno que é
e tão alheio.
Tu, pelo contrário, acabaste
o que talvez julgo não ter
sequer começado.
Diz-me se ainda tenho tempo,
tu que cedo deixaste de ter tempo.
Quão absurdo parece ser
resistir aos dias
se por instantes se
iluminam de alguém como tu,
que num momento tantos dias fizeste brilhar.
Aprendeste, ensinando,
que quem queima queima consigo o seu fim?
E se sim
com que proveito o aprendo?
Eu que queimo bem mais lentamente
e mesmo assim previno qualquer cansaço.
Talvez tenhas sido a imagem arrancada da língua
no mar de grão onde nasceste.
Sem o querer.
Em que te sinto próximo de mim
se a angústia não me mata
apesar de presente?
Não me conheces
e esta minha vida obstinante
não promete um encontro.
Há momentos em que a sinto
perto o suficiente para a chamar,
e sinto o cheiro da cinza,
e tudo tem a luz confusa
das coisas que se amam.
Caro amigo a quem nada posso dar,
amigo imolado e fresco porém como uma flor,
com o meu pensamento, que pouco estimo,
atravesso o século que passa
pelo teu campo gélido
e pelo meu seco e espinhoso,
e consigo ouvir entre as plantas sem nome
que talvez
não seja garantido viver,
como tão-pouco
é garantido morrer.


AUTORITRATTO. TARDA SERA

Senti il tonfo sordo e piccolo del gomito,
si pianta nel noncurante muto tavolo
.Solo l'altro è seguito dalla mano malleabile,
questo regge alla testa il nuovo tronco e il nuovo collo.

Guarda la mia eleganza di uomo in piedi degradarsi,
degradarsi intatta sopra il tavolo.
Tra i fogli lasciati chi più chi meno bianco
trascurate si nascondono monete per la spesa.

Vermi tra i gioielli
facilmente abitano.
Se guardo il comodino
veloci scompaiono.

Guarda sullo sfondo del mondo stagliarsi,
su una strada del mondo che oltre il vetro riposa,
guarda infiltrarsi questo volto creato a caso
che da solo si guarda senza spazio per Narciso.

Mentre tra i gioielli
lunghi vermi scorrono.
Non guardare il comodino,
rapidi rintanano.

Ma sempre sarà stato o è da poco come ora?
Nella finestra il vagobusto preferirebbe la seconda.
Negli occhi scopre immobilmente qualcosa,
un baule, uno sguardo, un coltello, perduto.

Guarda d'improvviso la struttura evaporare,
ora la testa segue gli occhi nell'affanno.
Il dubbio è bastato a voltare il ritratto,
le spalle alla finestra, il culo al tavolo.

Nell'intrico di mobili e soprammobili si aggira,
dappertutto cerca e tutto disordina.
In un cassetto trova infine pochi indizi per prova.
La vita c'è, ma non dà risposta alcuna.

Sopra il comodino
facilmente abitano.
Se sentono un passo
veloci scompaiono.

Guarda tra i gioielli
vermi albergare.
Salta il comodino,
non li disturbare.

DOMANDA PER ESENIN

Ancora qui,
anche se qualche fumo e qualche odore
di tanto in tanto ricorda.
Sentire.
Cosa si è perso in cambio di tutto questo tempo?
Quant’è fredda
quest’ aria anche se accoglie,
quanto è materna
e quanto estranea.
Tu, invece, finisti,
tu che a trent’ anni finisti
quello che io credo di non avere
ancora forse cominciato.
Dimmi se ho ancora un po’ di tempo,
tu che presto smettesti di avere tempo.
Quanto assurdo appare
il resistere nei giorni
se per un attimo questi
sono illuminati da uno come te,
che in un attimo tanti giorni facesti brillare.
Imparasti, insegnando,
che chi brucia brucia con sé la sua fine?
E se sì
a quale pro io lo imparo?
Io che brucio assai più lentamente
eppure avverto tutta la stanchezza.
Forse fosti l’immagine strappata dalla lingua
nel mare di grano in cui eri nato.
Senza volerlo. In cosa ti sento vicino
se l’angoscia non mi uccide
anche se è presente?
Non mi conosci
e questa mia vita che si ostina
un incontro non promette.
Ci sono momenti in cui la sento
vicina abbastanza da chiamarla,
e sento l’odore della cenere,
e tutto ha la luce confusa
delle cose che si amano.
Amico caro a cui non posso dare niente,
amico arso eppure fresco come un fiore,
col mio pensiero, che poco stimo,
attraverso il secolo che passa
tra la tua campagna gelida
e la mia secca e spinosa,
e posso udire tra piante senza nome
che forse non è così scontato il vivere,
così come
non è scontato il morire

Pier Paolo Pasolini, "Sem ti regressava, qual bêbedo"

Fotos por Richard Avedon, 1966

Fotos por Richard Avedon, 1966

Tradução: João Coles

Sem ti regressava, qual bêbedo,
incapaz de estar só à noite
quando as cansadas nuvens se dissipam
na escuridão incerta.
Estive milhares de vezes só
desde que estou vivo, e em milhares de noites iguais
foram-me escurecidos aos olhos a relva, os montes ,
os campos, as nuvens.
A sós de dia, e depois adentro o silêncio
da noite fatal. E ora, bêbedo,
regresso sem ti, e ao meu lado
só há sombra.
E de mim longe estarás milhares de vezes,
e depois para sempre. Não sei travar
esta angústia que galopa dentro do peito;
estar só.

(1945 – 1946)

In Tutte le poesie (Mondadori)


Senza di te tornavo, come ebbro,
non più capace d’esser solo, a sera
quando le stanche nuvole dileguano
nel buio incerto.
Mille volte son stato così solo
dacché son vivo, e mille uguali sere
m’hanno oscurato agli occhi l’erba, i monti
le campagne, le nuvole.
Solo nel giorno, e poi dentro il silenzio
della fatale sera. Ed ora, ebbro,
torno senza di te, e al mio fianco
c’è solo l’ombra.
E mi sarai lontano mille volte,
e poi, per sempre. Io non so frenare
quest’angoscia che monta dentro al seno;
essere solo.

(1945 – 1946)

In Tutte le poesie (Mondadori)

"Produzo poesia, uma mercadoria inconsumível", Pier Paolo Pasolini

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Tradução: João Coles

Esta entrevista reproduz um trecho da intervenção de Pasolini na transmissão de um episódio do programa de Enzo Biagi “Terza B facciamo l'appello”, que deveria ter ido para o ar em Julho de 1971. Foi, contudo, suspenso graças a um processo judiciário que implicava Pasolini na qualidade de director responsável de “Luta Continua” (“instigação à desobediência” e “propaganda antinacional”). O episódio foi transmitido quatro anos mais tarde, no dia 3 de Novembro de 1975, no dia após o seu assassinato.

Entrevista:

O senhor escreveu: "No plano existencial eu sou um contestador global. A minha desesperada desconfiança em todas as sociedades históricas leva-me a uma forma de anarquia apocalíptica". Com que mundo sonha?

Durante um tempo, quando era jovem, acreditei na revolução como acreditam os jovens de hoje em dia. Hoje em dia acredito um bocado menos. Sou, neste momento, apocalíptico. Vejo defronte de mim um mundo doloroso, cada vez mais vil. Não tenho esperanças; portanto não esboço sequer um mundo futuro.


Quer parecer-me que já não acredita nos partidos.

Não. Se me diz que já não acredito nos partidos está a chamar-me qualunquista; eu, pelo contrário, não sou um qualunquista. Inclino-me mais para uma forma anárquica do que para uma escolha ideológica de algum partido, mas não significa que não acredite nos partidos.


Porque é que defende que a burguesia está a triunfar?

A burguesia está a triunfar porquanto a sociedade neocapitalista é a verdadeira revolução da burguesia. A civilização do consumo é a verdadeira revolução da burguesia. E não vejo outra alternativa, porque também no mundo soviético, na verdade, a característica do homem não é tanto a de ter feito a revolução e de a viver, mas a de ser um consumista. A revolução industrial nivela o mundo inteiro.


O senhor bate-se contra a hipocrisia, sempre. Quais os tabus que destruiria: as prevenções no sexo, o escapulir-se às realidades mais cruas, a falta de sinceridade nas relações sociais?

Dizia isto até dez anos atrás. Hoje já não digo estas coisas porque não acredito nelas. A palavra “esperança” foi apagada do meu vocabulário. Portanto, continuo a lutar por verdades parciais, de momento a momento, de hora em hora, de mês a mês, mas não perspectivo programas a longo prazo por já não acreditar nisso.


Já não tem esperança?

Não.


Esta sociedade que o senhor não ama deu-lhe, no fundo, sucesso e notoriedade...

O sucesso não é nada. O sucesso é a outra face da perseguição. E o sucesso é uma coisa péssima para um homem. Pode exaltar naquele momento, pode dar algumas satisfações e certas vaidades, mas na verdade, mal alcançado, compreende-se que é algo péssimo. Por exemplo, ter encontrado os meus amigos aqui, na televisão, não é bonito. Felizmente conseguimos ir além dos microfones e do vídeo e reconstruímos algo real e sincero; mas como posição é péssima e falsa.


Porquê? O que vê de tão anormal?

Porque a televisão é um meio de massa, que não faz senão alienar-nos.


Porém, fora os queijos e o resto, este meio leva a casa as suas palavras. Estamos todos a discutir com grande liberdade, sem qualquer inibição.

Não, não é verdade.


Sim, é verdade. Pode dizer tudo o que quiser.

Não, não posso dizer tudo o que quiser.


Pois diga.

Não, não posso, porque seria acusado de vilipêndio pelo código fascista italiano. Na verdade, não posso dizer tudo. E, objectivamente, perante a ingenuidade e desprevenção de alguns espectadores, eu próprio não quero dizer determinadas coisas. Mas posto isto de parte, é o meio de massa em si: a partir do momento em que alguém nos ouve desde um vídeo estabelece-se entre nós uma relação de inferior a superior, que é uma relação assustadoramente antidemocrática.


Julgo que em alguns casos também possa ser uma relação de igualdade: porque é que o não pode ser?

Alguns espectadores, por privilégio social, podem ser culturalmente semelhantes. Mas normalmente as palavras que caem do vídeo caem sempre de cima, até as mais democráticas, mesmo as mais sinceras. O conjunto da “coisa vista” em vídeo adquire sempre um ar autoritário, fatalmente, porque nos é sempre dada como uma cátedra. Falar desde o vídeo é falar sempre ex cathedra, mesmo quando isto é mascarado de democraticidade.


Foi, há muitos anos atrás, por Ragazzi di vita, um dos primeiros escritores italianos chamados a comparecer em tribunal sob a acusação de obscenidade: como encara alguns dos escritores eróticos de hoje e este alastramento do erotismo no cinema, nas livrarias e nas bancas?

Para mim, o erotismo na vida é uma coisa belíssima, mesmo na arte: é um elemento que tem direito de cidadania numa obra como qualquer outro. O importante é que não seja vulgar; mas por vulgaridade não pressuponho o que se entende geralmente, mas sim uma disposição racista ao observar o objecto do eros. Por exemplo, a mulher nos filmes ou nas bandas-desenhadas eróticas é vista de maneira racista como um ser inferior, logo é vista vulgarmente. Ora, neste caso o eros é puramente algo comercial, vulgar.


Como é que um marxista como o senhor extrai com tanta frequência inspiração de temas vindos do Evangelho ou dos testemunhos dos apóstolos de Cristo?

Obviamente que o meu olhar para as coisas do mundo, para os objectos, é um olhar natural, não laico: extraio as coisas como se fossem miraculosas. Cada objecto é para mim miraculoso: tenho uma visão – sempre de maneira informe, digamos assim – não confessional, em certa medida religiosa, do mundo. Eis porque dou uma investidura desta maneira de ver as coisas mesmo às minhas obras.


O Evangelho consola-o?

Não busco consolações. Busco de forma humana, de quando em vez, alguma pequena alegria, alguma pequena satisfação, mas as consolações são sempre retóricas, insinceras, irreais.. Disse o Evangelho de Cristo? Não, neste caso excluo completamente a palavra “consolação”: para mim, o Evangelho é uma mui grande obra intelectual, uma grande obra de reflexão que não consola: que preenche, que integra, que regenera... mas a consolação, que faço eu com a consolação? “Consolação” é uma palavra como “esperança”.


De acordo consigo, os intelectuais italianos comprometem-se demasiado: falemos de nomes, citemos casos...

O compromisso pode resumir-se a uma só questão: a de aceitar acriticamente – pois se fosse crítico, poder-se-ia admitir, aliás, creio que seria inevitável – a integração.


Tão-pouco a aceita?

Sim, mas de modo crítico (como vê, premuni-me). Isto é, claro que não posso não aceitá-la: tenho de ser consumista à força, porque também eu tenho de me vestir, tenho de viver; não só mas também tenho de escrever ou fazer filmes e, por isso, tenho de ter editores e produtores...


Portanto, também produz para o consumo.

A minha produção consiste em criticar a sociedade que num certo sentido consente, pelo menos por agora, que eu de algum modo produza.


A sociedade sempre amou imensamente quem produzia dizendo não amá-la.

Sim, é verdade. Pode ser que as senhoras da boa burguesia gostem, num certo sentido, de ser alvos. A sociedade procura assimilar, integrar, claro: é uma operação que tem de ser feita para se defender. Mas nem sempre consegue e às vezes há operações de rejeição. Tanto mais que não podemos falar de poesia como de mercadoria: eu produzo, mas não produzo uma mercadoria que na realidade seja consumável, e, portanto, cria-se uma relação entre mim e os consumidores. Imagine que a certa altura, na Lombardia, chega um sujeito que inventa um tipo de sapatos que não nunca se consumirá, e que seja uma indústria milanesa a produzir estes sapatos: pense na revolução que ocorreria na Valle Padana, pelo menos no sector do calçado. Eu produzo uma mercadoria, a poesia, que é inconsumível: morrerei eu, morrerá o meu editor, morremos todos nós, morrerá a nossa sociedade, morrerá o capitalismo, mas a poesia permanecerá inconsumpta.



Produco poesia, una merce inconsumabile

Pier Paolo Pasolini


Lei ha scritto: "Sul piano esistenziale io sono un contestatore globale. La mia disperata sfiducia in tutte le società storiche mi porta a una forma di anarchia apocalittica". Che mondo sogna?

Per un certo tempo, da ragazzo, ho creduto nella rivoluzione come ci credono i ragazzi di adesso. Adesso comincio a crederci un po’ meno. Sono, in questo momento, apocalittico. Vedo di fronte a me un mondo doloroso, sempre più brutto. Non ho speranze. Quindi non mi disegno nemmeno un mondo futuro.


Mi pare che lei non creda più ai partiti.

No. Se lei mi dice che non credo più ai partiti mi dà del qualunquista, invece io non sono qualunquista. Tendo più verso una forma anarchica che verso una scelta ideologica di qualche partito, ma non è che non creda ai partiti.


Perché lei sostiene che la borghesia sta trionfando?

La borghesia sta trionfando in quanto la società neocapitalistica è la vera rivoluzione della borghesia. La civiltà dei consumi è la vera rivoluzione della borghesia. E non vedo altre alternative, perché anche nel mondo sovietico, in realtà, la caratteristica dell’uomo non è tanto quella di aver fatto la rivoluzione e di viverla, ma quella di essere un consumista. La rivoluzione industriale livella tutto il mondo.


Lei si batte contro l’ipocrisia, sempre. Quali sono i tabù che lei distruggerebbe: le prevenzioni sul sesso, lo sfuggire alle realtà più crude, la mancanza di sincerità nei rapporti sociali?

Mah, questo l’ho detto fino a dieci anni fa. Adesso non dico più queste cose perché non ci credo. La parola "speranza" è cancellata dal mio vocabolario. Quindi continuo a lottare per verità parziali, momento per momento, ora per ora, mese per mese, ma non mi pongo programmi a lunga scadenza perché non ci credo più.


Lei non ha speranze?

No.


Questa società che lei non ama in fondo le ha dato il successo, la notorietà…

Il successo non è niente. Il successo è l’altra faccia della persecuzione. E poi il successo è sempre una cosa brutta per un uomo. Può esaltare, al momento, può dare delle piccole soddisfazioni a certe vanità, ma in realtà, appena ottenuto, si capisce che è una cosa brutta. Per esempio, il fatto di aver trovato i miei amici qui, alla televisione, non è bello. Per fortuna noi siamo riusciti ad andare al di là dei microfoni e del video, e a ricostruire qualcosa di reale e di sincero; ma come posizione è brutta, è falsa.


Perché? Che cosa ci trova di così anormale?

Perché la televisione è un medium di massa, che non può che alienarci.


Ma oltre ai formaggini e al resto, questo mezzo porta in casa adesso anche le sue parole. Noi stiamo discutendo tutti con grande libertà, senza alcuna inibizione.

No, non è vero.


Sì, è vero. Lei può dire tutto quello che vuole.

No, non posso dire tutto quello che voglio.


Lo dica.

No, non potrei, perché sarei accusato di vilipendio dal codice fascista italiano. In realtà non posso dire tutto. E poi, oggettivamente, di fronte all’ingenuità o alla sprovvedutezza di certi spettatori, io stesso non vorrei dire certe cose. Ma a parte questo, è il medium di massa in sé: nel momento in cui qualcuno ci ascolta dal video ha verso di noi un rapporto da inferiore a superiore, che è un rapporto spaventosamente antidemocratico.


Io penso che in certi casi sia anche un rapporto alla pari: perché non potrebbe esserlo?

Alcuni spettatori, per privilegio sociale, possono esserci culturalmente pari... Ma in genere le parole che cadono dal video cadono sempre dall’alto, anche le più democratiche, anche le più sincere. L’insieme della "cosa vista" sul video acquista sempre un’aria autoritaria, fatalmente, perché viene sempre data come una cattedra. Il parlare dal video è sempre parlare ex cathedra, anche quando questo è mascherato da democraticità.


Lei è stato, molti anni fa, per Ragazzi di vita, uno dei primi scrittori italiani chiamati a comparire in tribunale sotto l’accusa di oscenità: a distanza di tempo, come giudica certi scrittori erotici di oggi e questo dilagare dell’erotismo nel cinema, nelle librerie e nelle edicole?

Mah, per me l’erotismo nella vita è una cosa bellissima, e anche nell’arte: è un elemento che ha diritto di cittadinanza in un’opera come qualsiasi altro. L’importante è che non sia volgare; ma per volgarità non intendo quel che si intende generalmente, ma una disposizione razzistica nell’osservare l’oggetto dell’eros. Ad esempio, la donna nei film o nei fumetti erotici è vista razzisticamente come un essere inferiore, quindi è vista volgarmente. Allora, in questo caso, l’eros è puramente una cosa commerciale, volgare.


Come mai un marxista come lei trae tanto spesso ispirazione dai soggetti che escono dal Vangelo o dalle testimonianze dei seguaci di Cristo?

Evidentemente il mio sguardo verso le cose del mondo, verso gli oggetti, è uno sguardo non naturale, non laico: tratto le cose un po’ come miracolose. Ogni oggetto per me è miracoloso: ho una visione – in maniera sempre informe, diciamo così – non confessionale, in un certo qual modo religiosa, del mondo. Ecco perché investo di questo modo di vedere le cose anche le mie opere.


Il Vangelo la consola?

Mah, non cerco consolazioni. Cerco umanamente, ogni tanto, qualche piccola gioia, qualche piccola soddisfazione, ma le consolazioni sono sempre retoriche, insincere, irreali… Lei dice il Vangelo di Cristo? No, in questo caso escludo totalmente la parola "consolazione": per me il Vangelo è una grandissima opera intellettuale, una grandissima opera di pensiero che non consola: che riempie, che integra, che rigenera… ma la consolazione, che me ne faccio della consolazione? "Consolazione" è una parola come "speranza".


Secondo lei gli intellettuali italiani scendono a troppi compromessi: facciamo dei nomi, citiamo dei casi…

Il compromesso si può riassumere in un punto solo: quello di accettare in modo acritico – perché se fosse critico si potrebbe anche ammettere, anzi credo sarebbe inevitabile – l’integrazione.


Non l’accetta anche lei?

Sì, ma in modo critico (come vede, mi ero premunito). Cioè, certo non posso non accettarla: devo essere un consumista per forza, perché anche io mi devo vestire, devo vivere; non soltanto, devo scrivere o fare dei film e quindi devo avere degli editori, dei produttori…


Quindi anche lei produce per il consumo.

La mia produzione consiste nel criticare la società che in un certo senso mi consente, almeno per ora, di produrre in qualche modo.


La società ha sempre tremendamente amato chi produceva dicendo di non amarla.

Sì, è vero: può darsi che le signore della buona borghesia amino, in un certo senso, essere colpite. La società cerca di assimilare, di integrare, certo: è un’operazione che deve fare per difendersi. Però non sempre ci riesce, a volte ci sono delle operazioni di rigetto. Tanto più poi che non possiamo parlare di poesia come di merce: io produco, ma produco una merce che in realtà è inconsumabile, e quindi c’è un rapporto strano tra me e i consumatori. Immagini che a un certo punto, in Lombardia, arrivi uno che inventa un certo tipo di scarpe che non si consumeranno mai più, e che un industriale milanese costruisca queste scarpe: pensi alla rivoluzione che succederebbe nella Valle Padana, almeno nel settore dei calzaturifici. Io produco una merce, la poesia, che è inconsumabile: morirò io, morirà il mio editore, moriremo tutti noi, morirà tutta la nostra società, morirà il capitalismo ma la poesia resterà inconsumata.