Sólo las manos calientes dentro de un cuerpo

mi abuelo decía: no dejes que el animal huela tu miedo 

mi padre decía: no dejes de mirar al animal porque el caballo nunca cierra los ojos 

en el quirófano alguien decía: no dejes de irrigar con suero caliente los órganos de un vientre abierto 

mi cuerpo se repite sangrando y dice: en cada movimiento ya no soy el cuerpo que fui 

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Do mistério do ofício

DO MISTÉRIO DO OFÍCIO

A língua caminha atrás de mim
pelo deserto azul que é grande
saboreia o rosto fiel dos meus anseios
no rito canibal do dia novo
Por vezes submerge a verdade
e se enruga como um corpo na água
A verdade molha sempre demasiado
no falso desnudar da promessa

(p. 49)

O pássaro dorme dentro do barro
canta na manhã a sua árvore
voa longe a fazer ninho
para buscar e farejar o calor perdido
E sempre vem do céu para dormir:

Só os poetas podem chamar irmãos aos pássaros.

(p. 50)

Conta a lenda que São Francisco, depois de virar as costas às materialidades do mundo, entrou pelos bosques e, despojado de tudo, chamou a si a natureza, e não só as plantas como os animais o receberam de braços abertos. Em particular os pássaros, a quem chamava de irmãos.

Serve esta pequena nota ou lembrança para entrarmos no novo livro de Pablo J.P. López, poeta espanhol de quatro nomes (n.1983) e de um rigoroso talento poético. Tal como o santo que buscou a simplicidade, e renunciou aos seus bens, aos ornamentos das suas roupas, também Pablo constrói a sua poética com base nesse princípio - os poemas com os quais começámos exemplificam, de resto, o que digo. 

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