Desatenção
/Não sei se me lembro bem, foi inesquecível. Tínhamos finalmente alcançado o lugar monumental e famoso, e tudo aconteceu deste modo, sensivelmente deste modo. O autocarro da excursão escolar percorrera em esforço as estradas sinuosas e fomos reparando que o guião da viagem, tão minucioso, incluindo mapas e umas quantas citações poéticas, servia de leque, óculo improvisado ou avião de brincadeira que aterrava no sítio subitamente tão concreto. Sintra, atravessada de luz entre arvoredos, abraçava viajantes afinal desprevenidos. Olhávamos com surpresa e o grupo desorganizava-se. Onde fixar a atenção?
Os responsáveis pela visita de estudo inquietam-se com o incumprimento do roteiro. Impunha-se seguir de imediato o percurso do capítulo VIII de Os Maias, expoente, sublinha o guião, da arte realista; subtítulo, como é sabido, “Episódios da vida romântica”. Mas alguns alunos lambiam enormes gelados, outros ficavam a ouvir música no passeio oposto, voltados para uma parede vazia. Os olhos piscavam, encandeados, porque a praça onde estacionáramos entontecia de demasiada luz. O centro do lugar, onde quer que isso fosse, irradiava em labirintos ofuscados. Estavam desatentos! Sintra refulgia de espaço, como assinalava de novo o guião, mas as sombras eram também fortes e criavam áreas onde a humidade se tornava espessa e os vultos quase invisíveis. Estaríamos todos? Sorviam enormes gelados, mostravam-se imensamente desatentos e olhavam para tudo.
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