TINA TURNER e outros poemas de regresso

TINA TURNER

  “We are the children, the last generation.
  We are the ones they left behind”

                       - Tina Turner

“Nasci a ouvir Beethoven e se não me

falha a memória (esta esbelta memória)

foi a Quinta sinfonia. Foi no dia anterior

à estreia do filme de Alain Renais – o

L’année dernière a Mariendad. Vi-o ao

colo de meu pai no The Grand Theatre

do Louisiana e um dia depois voei para

Lisboa. Aos 6 anos em Toronto assisti

com a minha mãe à condução de Stravinsky

do Minueto and finale from Pulcinella

lembro-me como fosse hoje aquela mão

sobre a orquestra. Mas o encontro mais

entusiasmante foi ver Glenn Gloub ao vivo

em 1981. Eu já sentia a sua morte no ar

e lembro-me de ver na plateia Thomas

Bernhard de quem já tinha lido Korretur

(em alemão) e Maria Gabriela Llansol que

estava vestida de negro trazia um broche

ao peito lindo uma flor de margarida. No

ano seguinte foi o jantar com o Eugénio

de Andrade que tinha algum mau feitio

mas era normal pois ser um grande poeta

em Portugal exigia toda uma teatralidade

eram os velhos costumes meu querido!

E claro três anos depois encontrei à

saída da Opéra National de Paris Godard

foi um esbarranço para toda a vida.”

 Disse o Jorge Adolfo de Mello e Castro

um amigo da minha Idade registado em

Lisboa. Eu bebendo o café frio disse-lhe

que cedo comecei a ouvir a Tina Tuner

nos cd’s que a minha irmã tinha por casa.

“Sempre lhe invejei não as famosas
pernas mas toda aquela força interior
que se vê a milhas saindo da sua voz”.


NUTBUSH CITY

 E quando correr a longa planície

pelo lado esquerdo da vida

verde

eu

terei

finalmente regressado à ilha.

Para nela voltar a nascer.

ENCONTROS DE TERCEIRO GRAU



-Então corisco, estás por aqui. Não sabia que estavas no Porto!

-Sim, há 15 anos, Dona Olga.

-Ah por isso é que nunca mais te vi. Vieste para Belas-Artes?

-Não, História de Arte e depois literatura.

-Ai que giro! Mas literatura tinhas lá na ilha. Qual é a diferença

entre a universidade dos Açores e a do Porto?

-Teoria da literatura. Aqui há teoria.


  EXÍLIO CÔNCAVO 

a Irondina Teves

Quero pão

quero pão para a minha boca

pão duro uma côdea seca

uma pequena migalha que

me separe por mais uns dias

da morte que há de vir.

Calado terei chegado

finalmente ao deserto de vidro

onde me esperam

esse que fica entre o mar de zinco

e o intervalo no tempo.

Quero os teus olhos de penumbra

como são

um azul e outro verde

perdidas lagoas no meio do atlântico

dizendo-me Chegaste!

E terei sim finalmente chegado para

cair feito lágrima sob os teus pés como naquele

velho quadro de Rembrandt.

Terei finalmente regressado para

aceitar sem resistência o poço que

sempre me foi devido.

E enquanto forças houver

estarei nele gritando pelas

migalhas que me

são devidas.

Até Deus não

mais suportar.

tina-turner-1.jpg





APONTAMENTOS (they say) DE UM CAIXEIRO (they say) & outras "POÉTIQUICES".

COLECIONAR & OUTROS BOCEJOS

A faca não corta o fogo

A foca não corta o queijo

A fava não corta o cão

A vaca não corta o rio

A pedra não parte a nuvem

A sola não parte o barco

A sala não parte o pé

A mala não corta o sono

A fada não corta a cinza

A mama não corta a unha

                  (…)

     (fazendo Download)

   Etc e tal. Ad infinitum…

AGUARELA DE MILTON AVERY

O cético está convencido que cinco

árvores sobre uma planície lilás

não é um assunto digno de criação

poética. O cético não acredita em

nada que não viva dentro da

palavra ou pela palavra. O cético

exige que ao lado deste poema esteja

a aguarela que o poema descreve

para verificar se a poesia aqui existe

ou não existe. O cético está seguro

de que tudo está contra ele que

isto não é um poema porque vamos

lá ver ninguém o ensinou a aceitar

aguarelas como sendo um poema.

O cético é convenhamos um chato

aquele que está disposto a abrir o

peito a autoflagelar-se a mutilar-se

para reviver nas entranhas a voz da

velha poesia. O cético bem sabemos

é um desconfiado desconfia de tudo

e acha que todos estão a tentar tramá-lo

a engana-lo porque ora lá está não

consegue ver aqui nenhuma poesia.

O cético além de chato é aborrecido

aborrece-se por não ver aqui a dita

aguarela nem imaginar o dito Avery

- o que realmente deve ser aborrecido!

O cético é um ser aflitivo e por isso

facilmente veste a pele de censor não

está para pensar é prático e se este

corpo não se encaixa no já conhecido

então isto não é uma aguarela muito

menos um poema digno de nota. No

fundo (aqui no fundo) bem sabemos

(o poeta sabe-o) que um cético é um

verdadeiro cego e que não há cura para

tamanha e tacanha insensibilidade.

Convenhamos (há que repeti-lo) cada

um vê aquilo que merece ou tão só

aquilo que consegue ver. E sobre as

copas das árvores amarelas o vento

pressionava-as a concordar comigo.

DA DIFERENÇA

                                                                          (Deve entrar aqui uma epígrafe

                                                                           sobre la Differance de Derrida )

I

PRIMEIRO VÃO

Atacar a Academia Fora da Academia.

PARA ALÉM DA BARRICADA A

Alguma irritação & borbulhas vermelhas. Leves Suspiros.

II

SEGUNDO VÃO

Atacar a Academia Dentro da Academia.

PARA ALÉM DA BARRICADA B

Muita irritação. Faces vermelhas. Engolir a seco I. Olhos

 de lado e sobrancelhas soerguidas. Figas e rezas para que o 

acusador caia de frente no pátio principal. Engolir a seco II. 

Muitos e longos suspiros.

POÉTIQUICES

O poeta A odeia o poeta B

que odeia o poeta C. O poeta D

repete mil vezes a palavra furor

enquanto o poeta E repete mil

vezes a palavra tesão. Para o

poeta F a poesia só pode existir

na resistência ou seja no uso da

palavra de alto teor calórico.

Ao passo que para o poeta G

a resistência deve ser o ato

de negar a uniformização do

que deve ser a poesia. Para o

poeta H a poesia é vermelha

e para o Poeta I ela só pode

ser verde. O poeta J fala mal

do poeta K e esse do poeta L.

Já os poetas M N O P vão todos

à tasca do Zeca – um desenha

outro escreve outro copia e o

outro rasga. São tipos esquisitos.

O poeta Q ama o poeta R que

o trai com o poeta S e T. Já o

poeta U e o poeta V lutam

entre si para saberem quem chega

primeiro ao Camões e ao Pessoa.

O poeta W só escreve em

Inglês e o o poeta Y em francês

não querem saber de poesia

portuguesa. Dizem que tem

demasiada tradição e pouca

recriação. Já o poeta X não só

lê toda a tradição como copia

a tradição linha a linha. Tudo

nele é uma enorme colagem

sem um único verso seu.

Por último o meu preferido

o poeta Z lê todos os poetas

e não é amigo de nenhum:

“São todos quase bons mas

todos uma cambada de ocos.

Muita palavra pouco ombro”.

Um desenho de Etel Adnan

TRÊS POEMAS FALAM e outros Sonambulismos

“Invisível, a vocação da brisa é suscitar um

desespero tão leve”

- Maria Velho da Costa (1938-2020)


TRÊS POEMAS FALAM


POEMA A


Eu sou puro como um verdadeiro dia de

Primavera. Só admito mãos de pobres que

sabem bem lavar as mãos. Não admito que

as misturas entre castas sejam recorrentes.

A palavra deve em mim aparecer lapidada

como um diamante um que possa refletir

o meu perfil reto sobre a velha coluna

Grega. Todo o bom menino é bem-vindo

o de boas famílias o que pactua com as

lides da velha casa o que tenha os filtros

aqueles que permitam em várias ocasiões

ter a dignidade e sangue frio para nunca

perderem a compostura. Um produto lá

está dos velhos cordeiros do Olimpo. Nunca

compreendi o pequeno ou bruto palavrão.

Esses imbecis que usam palavras inglórias

dentro daquilo que me nomeiam deviam

ter por castigo a decapitação na guilhotina.

Tudo deve ser lentamente dito com a pura

calma sem o recurso à violência e à revolta.

Só assim estarei completo seguro na velha

caixa do velho e antigo poema de amor.


POEMA B


Quero o deboche quero a língua mais

crua na ferida do corpo que sangra.

Quero a denuncia quero a faca que

friamente corta o fio contínuo da injustiça.

Quero o punho que grita quero a fala

que diz aquilo que a máquina amordaça.

Quero a seta quero o chicote que bate

sobre as peles dos “delicados seres” que na

sua cegueira não veem a dor dos outros.

Quero tudo aquilo que me negaram

o Corpo por inteiro: Pés Pernas Cona

Cu Mamas Pescoço Braços Cabeça.

Quero tudo aquilo que me negaram

a Alma por inteira: Delicadeza Doçura

Raiva Partilha Medo Sonho Cólera.


POEMA C


Eu habito o vão o espaço de passagem

e por isso estou habituado a não ter

olhos sobre mim. Na transparência

habito a linha que avança_________

para além do que devia___________

___________________Espaço repito

de passagem mas por vezes sou a ponte

entre a língua que se cala e a boca que

mata. E as Moscas ZZZZZZ indiferentes

passam ZZZZZZZZ para ao meu ouvido

anunciarem as intrigas das más línguas.

Dizem elas que o meu corpo de mistura

não vai além de um corpo de intervalo

pouco digno de nota na grande e esbelta

página. Aquilo definido por literatura.


O CRÍTICO NÃO TEM CU

 

 Bolinhos de peixe ao Curry e gengibre

sem glúten Chips de batata doce Olive

Frite Suflê de queijo Roquefort Mateus

Rosé Rolinhos Sushmaki de queijo e

fiambre Champagne Bollinger Focaccia

com alecrim Rolo de Carne com ovo

Cabeça de Touro Massada de carne

Com chouriço Paella de frango Papa

Figos Paella de frango e marisco Pato

com laranja Frango com natas no forno

Trinca Bolotas  Salmão ao molho de

maracujá Gão Vasco Medalhões de

pescada à Gomes de Sá Creme de

cenoura Pavê de amendoim com doce

de leite cremoso Pudim de caramelo

tarte de Maça Champanhe Krug tarte

de maça Tiramisu Gelado de amora.

 

                ROLHA

 

VELATURA

Os velhos, destinados às novas sepulturas do velho jardim, descem ao nível da relva mais vil. Esperam ser lavados, perfumados, idolatrados. Contudo, são palha a ser empilhada sobre outra já morta palha. Altas cabanas de Madeira. Mas os outros, os lúcidos velhos, passam impávidos por cima da areia, puros e leves, e suavemente passam sobre a areia do seu fechado tempo. Trazem, esses, sobre os músculos caídos a criança que foram e são delas as vozes que chamam outras vozes. Juntas, a criança que eles foram e as crianças que eles souberam chamar, depositam flores sobre a nova campa. E o vento, unindo-se ao tempo, vai retirando lentamente as palavras de bronze sobre a lápide escura. E os anos passam-se. E são elas que reescrevem a campa.

                CUBISMOS

                            a)

A Diva de Cabelo Ruivo obra pornográfica
transformou-se com os anos em símbolo
de liberdade e criatividade literária. Por
todos foi desprezada repudiada queimada
até ser lida por António de Aguiar Mello.
Hoje é a mais admirada de todas as obras
do Sonambulismo Português. O melhor
exemplar de resistência à automatização
do corpo enquanto película e écran.

                            b)

Feia. Grotesca. Impura. As Mamas
de Dona Olga e os seus quinhentos
pentelhos
tornou-se na obra de
leitura obrigatória no segundo ano
de Licenciatura de Línguas Modernas
na Universidade de Letras do Porto.
É de longe a mais divertida obra de

ficção e é a mais relida. Tornou-se

no verdadeiro símbolo de denuncia.

É a paródia mais bem feito daquilo

que se pensou ser Literatura e Poesia

no começo deste século que termina.


                                d)

O Minete de Ouro mantêm-se indecifrável.
Esta obra angular do Movimento Zombie é a
obra predileta dos Académicos Portugueses.
Dizem as más línguas que quem a lê fica cego
por vinte e cinco anos. Dr. Dolores Duras que
estuda a obra há dois anos veio publicamente
desmentir esse boato: Não creio que isso seja
possível embora tenha recentemente tido a
necessidade de mudar as lentes dos meus
                         velhos óculos
.

LIBERTO


                           “ Finaly”
                                - Lana del Rey      


a Tatiana Faia e a João Bosco da Silva

(Club Lana del Rey)

     

E quando todos fecharam-me

a porta

E quando todos viraram-me

a cara

E quando todos negaram-me

conhecer-me

Eu era a pedra

no fosso primeira.


De mãos vazias

tinha finalmente

o tempo nu revestindo-me

a crosta de rugas 

e enrolando-se a espiral de trigo

sobre a memória do meu corpo

a porta tranquilamente fechei

para o voo sobre a minha e

a nossa

sombra.


Amanhã alguém recolherá estes

papéis inúteis para com eles acender

a última fogueira de S. João (como são belas à beira-mar!)

Serão tudo aquilo que sempre fui

aos olhos de todos

uma impertinente poeira sob a pestana

uma movediça irritação à lei.


Rotimi Fani-Kayode - Untitled, 1985.jpg

Rotimi Fani-Kayode - Untitled, 1985

QUERIDOS NADAS *

(André Bultzer; Marlene Dumas; Etel Adnan)

Versões: Vítor Teves

A arte é um império no qual

não somos permitidos a entrar.

                                                                                                          André Bultzer

eu sou

O ELEMENTO ALEMÃO

NA

PINTURA ITALIANA

DO

SÉCULO DEZASSEIS

                                                                                      André Bultzer

 Apenas o Tom e Jerry estão vindo.

                                                                                                 André Bultzer

CASA É ONDE ESTÁ O CORAÇÃO

Arte holandesa?

A minha pátria é a África do Sul

a minha língua materna é o africâner

o meu sobrenome é francês.

Eu não falo francês

A minha mãe sempre quis que eu fosse a Paris,

ela pensava que a arte era francesa,

por causa de Picasso.

Eu pensava que a Arte era americana,

por causa da Artforum.

Eu pensava que Mondrian também era americano,

e que a Bélgica era uma parte da Holanda.

Eu moro em Amesterdão

E tenho um passaporte holandês.

Às vezes acho que não sou uma verdadeira artista,

porque sou muito tímida;

e por nunca saber muito bem onde estou.

                                                                                           Marlene Dumas

                                    a)

é isto

é isto

é isto

que tu preferes

o corvo e a vaca

ou seja:

A linguagem

e a

nuvem

                                                                                                                   Etel Adnan



 Sim, sobre a revolução

de Leinne é uma arte

é um oceano

mexendo na psique

         das pessoas

      e das plantas

                                                                                        Etel Adnan


* Queridos nadas - tradução de “Sweet Nothings” (1998) - Poesia e outros textos reunidos de Marlene Dumas.

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Etel Adnan - Untitled, 2016.