Paul Thomas Anderson
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Quando, em Novembro do ano passado, fui ver The Master, o mais recente filme de Paul Thomas Anderson, lembro-me de nem conseguir dormir de tanto que fiquei a pensar no que acabara de ver. O mesmo já me tinha acontecido quando vi There Will Be Blood, o filme anterior de Anderson: também não soube bem o que pensar. Dos seus anteriores filmes, coisas como Hard Eight ou Magnolia faziam crer que Anderson era uma espécie de fruto de um caso amoroso entre Robert Altman e Martin Scorsese; Boogie Nights era uma mistura de GoodFellas com Spinal Tap. Punch Drunk Love já era algo vindo de outro planeta, mas o estilo era o mesmo. There Will Be Blood não – parecia ser algo realizado por Kubrick, com planos longuíssimos mas sem o movimento constante que os filmes anteriores exibiam. Era brilhante, sim, mas não aquilo a que eu estava habituado.
Tal como com There Will Be Blood, o amor ilícito que deu à luz The Master foi o de Kubrick e Terrence Malick em vez do de Altman e Scorsese. Mas sendo o segundo filme que Anderson faz nesse estilo, desta vez não foi isso que me deixou “desorientado”. Desta vez, foi outra coisa: se uma pessoa for rapaz (ou rapariga) de certa predisposição mental e emocional, The Master esmurra-nos a cara sem piedade com tanto brilhantismo que é impossível perceber exactamente o que acabou de acontecer.
O filme centra-se na relação entre um veterano da Marinha americana na II Guerra (Joaquin Phoenix) e o líder de uma seita religiosa (Philip Seymour Hoffman) que o “acolhe”. Nas duas horas que se seguem, Phoenix e Hoffman entretêm-se a tentar mostrar-nos quem é o melhor actor, e fica provado à sociedade que é impossível escolher: há uma cena passada entre os dois numa cela de prisão que toda a gente mencionará como prova da qualidade sobrehumana das duas interpretações, mas honestamente qualquer outra poderia servir de exemplo. E depois há Amy Adams, que até a ser execrável e assustadora consegue ser adorável: sempre que aparece, Adams puxa tudo na sua direcção e (em alguns casos literalmente) agarra o que vier com as duas mãos, só largando quando quer e depois do trabalho estar feito.
Anderson dá espaço e tempo para estes três brilharem: a câmara fica neles enquanto for preciso. Mas ao contrário de There Will Be Blood, não é quase estática. O uso do “slow-motion” que enchia Hard Eight, Boogie Nights ou Magnolia está de volta, como se Anderson quisesse combinar as duas fases da sua carreira num só filme. The Master é, no fundo, o filme mais Paul Thomas Anderson –como adjectivo- que Paul Thomas Anderson já fez: pode não ser o seu melhor filme (e talvez seja), mas é sem dúvida aquele em que o seu estilo está mais amadurecido, em que tudo aquilo que ele já fez se junta num só filme. Se Anderson não quiser (e eu espero que queira), não precisa de fazer mais filmes – tudo o que havia para fazer, fez com The Master.
E fê-lo de forma ainda mais conseguida do que havia feito até aqui: nenhum dos travelling shots scorsesianos que celebrizaram Anderson é tão deslumbrante como um em que Phoenix foge por uma plantação agrícola ao nascer do sol; nenhuma das sequências em “slow-motion” dos filmes anteriores é tão encantatória como a de uma festa em que Hoffman é o convidado de honra; e se as personagens de Mark Whalberg ou Julianne Moore em Boogie Nights, ou qualquer uma em Magnólia, arrasavam o bem-estar emocional de qualquer um, em The Master basta olhar para a cara perturbadoramente alterada de Joaquin Phoenix para questionarmos a nossa própria sanidade mental.
Tudo isto salta para a nossa frente quando se vê o filme. Violentamente: o filme é um assalto de brilhantismo e é impossível acabar de o ver sem se ficar impressionado (nem que seja a detestar o filme, o que vai acontecer a muitos dos que o virem). O que parece ser difícil é perceber o que tudo aquilo quer dizer, qual o significado de todas as coisas que nos são atiradas à cara durante mais de duas horas. Talvez o filme não tenha significado, talvez não queira dizer nada: talvez seja só um olhar sobre a vida daquelas três pessoas, uma “experiência” – nada mais que um conjunto de “estados de espírito” filmados para os reproduzir em quem estiver a ver. À medida que a insónia dessa noite em que vi o filme se prolongava, comecei a achar que não, que o filme tinha um significado, que bastava pensar nos outros filmes de Anderson para perceber qual era.