Eu serei convosco
/Um homem corpulento, empastado de perfume e brilhantina, sentou-se ao balcão, acendeu um cigarro, levou o whisky à boca e cumprimentou com um grunhido a mulher que estava a seu lado, uma prostituta ucraniana bêbeda e ensonada, que sorria sem abrir a boca para não mostrar a ausência de um dente molar, e repetia pagas um copo, pagas um copo à menina? O homem estampou uma nota de cinco no balcão e pediu silêncio. Pega na nota e some-te. Cinco euros não chegavam para o silêncio. Cinco euros não chegar para a comissão. Patrão pagar mal. Mais uma nota de vinte e pisga-te. Aproximou-se outra prostituta, desta vez uma mulher sábia para entender que o sofrimento alheio se curava com silêncio e companhia e carinho e uma mão na nuca. O homem e a prostituta permaneceram calados e sentados durante um bom bocado, depois o macho pegou na fêmea pela mão e arrastou-a até à pista de dança. Sofro como um cão. Sofro mais do que um cão. Sussurrou ao ouvido da sábia e esta respondeu-lhe com silêncio. A música terminou e os dois dançavam, sem música e mexiam-se e trocavam sussurros. Sofro por uma mulher, dela resta o perfume e um casaco. A sábia puxou-o para o quarto e, despida, disse-lhe que as mulheres partiam uma vez, só uma vez, deixando para trás o cheiro do perfume, o cheiro da saudade, daquilo que não regressaria. O homem nu exigiu mais uma prostituta. Apareceu a ucraniana desprovida de molar, pediu outra. Partilhava o colchão com quatro prostitutas e lamuriava-se. Abraçado às quatro, penetrando-as como se fosse máquina, pouco sentia para além da dor infligida pela partida daquela que amava. A frase daquele filme. Enche-me os buracos. Os buracos cheios e o coração perfurado. Esburgou as quatro prostitutas. Rompeu o colchão à dentada e acertou com um murro na cara de uma das prostitutas e lembrou-se do último dia com a mulher que amava. Chegaram os seguranças e escorraçaram-no ao biqueiro do estabelecimento. Ainda lhe restava algum dinheiro. Caminhou até encontrar uma estação de serviço. Abriu uma lata de cerveja, fumou, abriu outra lata e fumou e uivou. Nevava e um homem uivava no meio do nada, uivava na tentativa de alcançar a princesa desaparecida, uivava em vão, todos os uivos são em vão quando se está a mais de trezentos quilómetros de distância da princesa. A empregada da estação de serviço chamou-o para dentro, viu-o chorar e consolou-o, disse que aquilo não era nada comparando com a fome em África, que nenhum problema era nada comparando com a fome em África, com aquelas barrigas cheias de ar. E ele, mascarado de noite e de fantasma, chorava e soluçava e ajoelhava-se, deitava-se na neve, nu da cintura para cima e deitado na neve, sozinho com as suas memórias, como se a empregada ali não estivesse, como se o planeta se tivesse ofuscado.