Vou indo

Eu vou. 
O espelho diz-me então 
que tenho sete vidas (mais não) 
e poderei regressar ainda viva da mina 
de carvão que fica na ponta oeste do 
vale da velha união, onde foi rogada a praga 
da vidente ensimesmada que afastou para sempre 
moças e mancebos da terra de seus pais para 
países longínquos onde becos, esquinas, vielas 
e sinuosidades escuras servem de tronos reais. 
 
O ás de espadas fará as apresentações 
da manilha de anões que, à entrada 
da cave oficial do centro de desemprego, 
filão empregador de jovens muito velhos, 
deverei incorporar: o cordial, o amável 
o estratega, o submisso, o faz-tudo 
o abnegado e o mudo, muito mudo. 
 
A bela adormecida acordou sem 
beijos e já se meteu a caminho, 
evitando a ordem de despejo: 
para o trabalho, eu vou 
eu vou, eu vou. 
 
 
 Nota: A primeira versão deste poema foi originalmente publicada no livro Dívida Soberana (Mariposa Azual, 2012)