Rouge
/saindo de lisboa lia um livro sobre lisboa
sobre os jardins coloniais de lisboa
aquele café do lado da torre de belém
sobre o aqueduto e as meninas de óculos redondos
de lisboa e sobre os senhores que falam francês
quando em lisboa não se fala francês
também sobre a procissão das quatro da manhã
do bairro alto até o cais do sodré
sobre como meus olhos brilhavam e você dizia
regarde, le sol est rouge
sobre como a rua estava tomada de gente dizia
rouge! rouge!
percebe as coisas se esfregam de um jeito
os livros não
mas o caminho da augusta até o tejo
e os comerciantes e as drogas que não fazem efeito
e as lojas de chapéu e as pastelarias
e a fila para a cidade subterrânea: apenas três dias ao ano
sobre como meus olhos brilharam quando um rapaz
já no último dia bem no fim da fila
quando deveríamos dizer: já não há mais tempo
lia um livro sobre o brasil e sobre as coisas do brasil
e sobre o o rio de janeiro do passeio público
foi então que percebi
exatamente então que percebi (ou seria o barulho do elétrico?)
que nunca tinha lido nada sobre lisboa
que nunca levaria nada de lisboa
que lisboa para mim seria a mesma coisa que é
o domingo quando o parque fica aberto
a forma como o motorista do autocarro me diz pronto já está
seu sotaque bem longe de um sotaque de lisboa
ou os nomes
saber o nome das ruas de lisboa não é saber lisboa
saber o caminho para o miradouro (e chegar
ainda com o sol dentro de uma parte da vinte
e cinco de abril) não é saber lisboa
como um tipo lendo o livro sobre o brasil não é saber o brasil
como partir em um par de dias não era estar no brasil
era: não estar em lisboa
era: não
como estar no brasil não é ser tropical
não é ter em casa palmeiras não é discutir futebol
cherrie, você não sabe o que é o futebol
hoje suas insinuações de vir me agradam
muito mais do que a presença por isso
planejo uma vingança sem precedentes
esse chão amarelo limpo
essa decoração azul
a casa ainda sem móveis
você dançando bêbado por exemplo