Se ao menos não houvesse dúvidas

Se ao menos não houvesse dúvidas:
é aquela hora de bruma e de medo
e a relva, amanhecendo estiolada,
tem como raízes vísceras misturadas.
Se ao menos soubéssemos: sob o luar
Joana D’Arc é queimada e ascende
ainda mais translúcida do que uma brisa
desfeita pela fuligem – é aquela hora
de árvores pétreas e muros ensanguentados.
Se ao menos contemplássemos: arde
a cidade e somos nós os saqueadores,
nós os negros, os gregos, as troianas
deixadas ao estupro, aterrorizadas
(é aquela hora, a noite densa e terrível)
por uma suspeita que jamais se confirma.
Afinal, o que será esse rumor? Ratos
correndo no forro dos telhados ou torvelinhos
de ventos formados durante a madrugada?
Se ao menos uma palavra nomeasse
essa pedra abrasada encravada no peito –
mas não: é meio-dia, faz sol
e a praça central se afoga em claridade.