De Memória em Memoriã

meu velho

o poder com que movia os olhos, já doentes, diante da angústia que o medo da ausência lhe trazia.

um corpo moribundo. não havia um sol que lhe cobrisse as sombras. seguia sozinho ou já sem ninguém. não sabia os lugares. não conhecia os regressos. perdia as palavras ao longo dos dias. e desaparecia na imprecisão de quem procura ainda um verão, algo de puro, longe das vozes. longe do silêncio. 

a tristeza inútil das flores. o abandono com que me atiraste contra silêncios.

agora somos inúteis. e não há palavras que nos matem a fome. e temos de ficar de olhar intenso a rezar para não sofrer.

e se ao menos a morte te aliviasse a dor. 

tudo acabou na lastimável carência de palavras. inválido dos olhos resta o que ficou: a lembrança de beleza.

encosto as mãos ao teu silêncio e debaixo do mundo olhamo-nos até que a morte nos derrube a solidão.