I’ll Be Your Mirror
/I'll be your mirror
Reflect what you are
In case you don't know (...)
The light on your door to show that you're home.
- The Velvet Underground
Seguro o cinzeiro deixado para trás
por um antigo inquilino do meu corpo
e sobreponho queimaduras maiores
aos pequenos círculos de espectro
- este é o meu território.
A luz da loja de antiguidades
invade este meu quarto vazio,
ilumina a lembrança;
atraio-me facilmente pela oferta
de memórias em segunda mão
em forma de objeto barato.
Canto silenciosamente sob a voz da Nico,
o círculo negro roda,
não sai do lugar.
O carrossel pára,
as vozes calam-se,
viro para o lado B da memória.
Espero que ainda te lembres disto:
fomos juntas remexer os passados dos outros
com dedos pesados e cinzentos,
uma patina de pó do tempo.
(Ainda o tens em casa?
Imagino-te mal-acordada
a rever a noite anterior
na sua superfície cansada.)
Devia ter percebido a deixa:
descobres o espelho entre uma memória e outra,
no seu reverso um fio gasto mas
carinhosamente retorcido, reforçado
reformado, o homem da loja vende-to por uma nota.
Carregas o espelho até casa na mão.
A tua face visita-o,
desaparece
para dar lugar ao céu
depois ao chão
(estico o pescoço para me ver a ver-te).
Breve jeito de mão,
torces a prata,
capturas o sol:
farol quebrado que só aponta,
em frente, em frente.