apartamento

se perguntarem o que sobrou digo que
já levaram portas as janelas o escândalo
levaram até o cesto de pão, a inocência, o jarro de alfazemas secas  
no hall de entrada, ficaram as raízes  
deste apartamento sem vergonha  
et touts les temps qui reste: entra, é um convite; 
perdoa há muito não limparem
os pés ao entrar, talvez me tenha eu esquecido de pedir
ou começado a gostar desta coisa de ser suja, não sei, 
mas estas paredes (rabiscos adolescentes
antigamente sentados em manifestações mais políticas) 
são os turcos com lutas de cães em alexanderplatz
são pokhara, um hotel laranja decadente e um inglês
que não voltaria a ver, são tudo isso mais as peixeiras, estátuas de vénus
passeando na foz velha a celulite majestosamente texturada
e a areia-carvão naquela praia açoriana que mais tarde repudiaria; 
estas paredes são os amantes e todas as tragédias gregas,  
pratos marcados a giz desenhando rotas de colisão indiscreta, tudo isso
o que fui e o que não quero voltar a ser à custa de não poder. 
sobrará no fim a medida exacta do que divide
as paredes que aqui vês, solidamente entregues  
ao hábito de nem os ossos deixar no prato. entra, é um convite, 
mas à saída leva-te contigo: 
aqui só eu não sou de passagem.