Pátria, pouca terra (ou uma história que me contou o meu pai, alferes)

Santa Apolónia, guerra de África ser nossa.

Tem o peito em ebulição o alferes de convicções empurradas dentro por poderes que se não discutem por serem um murro na mesa. Temos noventa e quatro à nossa responsabilidade, diz um colega que aparenta os músculos flácidos de certeza de a responsabilidade ser do alferes do peito em ebulição.

No ar, só o redemoinhar sonoro do comboio a adivinhar Lamego e a saber o depósito que leva - noventa e quatro, nada prontinhos para a missão da pátria. A prontidão aqui é coisa que pouco importa, tanto faz se quer ou não. Vai. O nosso alferes decide a última bota a entrar na máquina, manda seguir.

Noventa e quatro, o alferes, o colega, o comboio, Lamego, a guerra, África nossa.

Com a voz pouco certa, o colega para o alferes Diz um que quer ir à casa de banho, Quem?, Um dos noventa e quatro, Pois que sim, que vá.

Quando no poder, mesmo que um subpoder, o corpo fica numa retidão inabalável, só o leve sobe e desce da cabeça, pois que sim, que vá, certo, certo de que à pátria nada se nega,  inquebrável, não moldável.

O comboio, Lamego, a guerra, África nossa.

Outro a pedir a casa de banho e Pois que sim, que vá. Seguro, o nosso alferes, apesar de o peito lhe dizer que o medo o invade ainda manso.

O comboio, Lamego, a guerra, África nossa, Santa Apolónia já longe.

E outro que à casa de banho. Outro. E outro. E outro. E assim outro e outro. Que sempre se sabe que as vísceras apertam quando poderes que se não discutem, de modo que uma certa compreensão demove o aço do nosso alferes.

Lamego, já depois de muitas horas esticadas pelo andar de pachorra do comboio.

Quantos homens, meu alferes?, sai do alferes um noventa e quatro que arrasta orgulho. Mandam sair os soldados da máquina e uma mancha menos densa do que em Santa Apolónia. Com isso, a retidão do alferes dobra-se um bocadinho, chega a balançar, o peito que teima em não inspirar.

Em fila, os soldados prontos para a contagem, um, dois, quatro, seis, oito... trinta. Trinta soldados, meu alferes. O peito teima na paralisia, mas nisto o colega de Lamego Quantos entraram no comboio?, Noventa e quatro, estremece o nosso alferes, e vai o colega Está ótimo, está ótimo, há quem tenha chegado com dez, bom trabalho. Embora ainda não certo, o corpo do alferes começa a tranquilizar-se.

Trinta soldados e o campo de treino de Lamego. Quem de noventa e quatro tira sessenta e quatro de vísceras frágeis fica com trinta.

 África quase nossa e vísceras apertadas. Que à pátria tudo se deve.

(Até as vísceras, alferes?)