Sete Poemas de Fernando Esteves Pinto
/1.
No quadro de René Magritte chovem pessoas na tua vida.
São criaturas negras, biografias tumultuosas a dominar a vertigem.
Uma precipitação que faz desmoronar o medo.
Também tu crias o teu próprio movimento
e cada impulso é uma linha fulminante.
Um dilúvio de vidas humanas numa paisagem demente.
Arte soturna e severa que ameaça destruir
as expressões iluminadoras.
Planos de evidência insuportáveis
como uma loucura numa zona de perigo.
Incompreensível humanidade que cria
uma imagem para tudo
uma impressão de espaço no ar que respiras
ou uma natureza interna
irradiando atmosferas químicas.
Mapas à procura de uma decifração.
Matéria terrena lançando no ar meditação e delírio.
2.
Às vezes a tua mente é um relâmpago e incendeia-se.
Com o fervor da combustão
procuras a claridade eterna e infinita.
És perseguido pela investigação divina
ou por uma filosofia da memória.
Tornas-te uma sólida iluminação de utopias
como se o teu pensamento irrompesse
numa dimensão acima da vida.
Mais absoluto que a humanidade.
Mais dominante que a angústia.
Assim uma mente desconhecida da civilização:
mais claramente humana.
3.
Nas cidades há cânticos decifrados da selva.
Matéria em delírio.
Florações de pedra procuram povoamento nos planos do ar.
Animais leves perfurando a terra.
Uma cerimónia de fé.
Criaturas distantes na sua insensata revelação.
São seres de coração colonizado
a caminho da tragédia do espírito
cheios de velocidade e febre
extraordinários de espanto.
Sentes o tempo ligar a morte à matéria insuportável
e num momento de radiância
surge um deus que se atira ao mundo.
Porque tudo é uma fascinação
um inferno que tem origem no sagrado.
Quanto mais Deus mais condenação humana.
4.
Que ciência laboriosa: perder a memória.
Quebrar as cordas do arco que já não vibram
e aceder à alma com toda a altura da tua vida.
Então imaginas que anseios invadem a tua existência
quando amadurecido pelo esgotamento
celebras uma solidão que purifica tudo o que é silêncio.
E perdes-te em inóspitos confins – furioso de linguagem
como uma revelação que te doira todo de luz e trevas.
Mas nada mais existe que não seja a leveza
de uma visão dominada por um saber inconsciente.
Essa deformidade irradiante que intriga.
Esse princípio de pavor insinuando-se.
5.
Este é o muro da angústia e do horror.
A ele te encostas quando a vida se expõe à morte
e nenhuma razão serve de prumo para alinhar a piedade ao erro.
A memória da tragédia ao extermínio humano.
Tensas imagens em transe: uma devassidão do espírito.
Sagrados crânios transformados em colmeias:
empatias do destino.
Uma geografia de sapatos retendo a sua marcha
a um passo do fim. Regiões de ventos em extensos cabelos:
uma harpa imortal na sua harmonia.
Relógios e ouro e óculos que se amontoam
como vermes incrustados nos ossos da história.
É uma indústria da tortura que consagra a matéria.
Outras vidas que ninguém sente.
E só Deus acumula a herança de tanto sacrifício.
6.
Seja qual for a ignorância e da sua tragédia
uma consciência se torne triunfante
tão hipnotizada e poluente
e ainda que a vida seja uma fonte de poder e doença
neste plano da realidade que invoca a criação do mundo
possuindo loucamente a imediata tenacidade da morte
ou mapas do espírito numa precipitação de vozes
como luzes explosivas a irromper das drogas íntimas do pavor
esses instantes de fabricação do mal
esse drama ávido irradiando os seus medos
as suas dominações humanas.
Seja qual for a perversidade da ignorância
procura a luz que melhor te possa salvar.
7.
Já nenhuma mente invoca a existência profunda
porque o que é profundo murmura em si
coisas que não existem.
E as acções mais iluminadas são apenas aparições
veios de inspiração irrompendo no pensamento
imagens dobradas numa cabeça estremecida.
É uma fonte de vigilância esta composição da vida:
fonte cheia de situações tumultuosas.
Vão buscar energias à íntima fecundação da humanidade
E a tua mente vibra no seu nervo de treva e alvura:
contemplações magnificadas pela razão.