Kanye West & Make Myself Great Again
/A grande polémica política americana da semana passada relacionou-se com o regresso de Kanye West ao Twitter e com o reafirmar do seu apoio ao presidente Donald Trump e à causa Make America Great Again. De início, o estrangeiro recém-chegado à América assusta-se com o aparente apocalipse que se abateu sobre o país: parece que se está a viver o pior dos tempos, com políticos impiedosos a quererem impor medidas que põem em causa os direitos dos cidadãos em áreas tão vitais como a saúde, ou com um presidente egoísta ansioso por deportar tudo o que não seja americano. Mas como um ataque de pânico, o susto inicial passa e, acostumado ao clima e às gentes, o estrangeiro já não se arrepia com a CNN ou com qualquer outra fábrica de telenovelas. Todo o acontecimento, inclusive uma ameaça de guerra nuclear, é convertido em espectáculo e circo. Seja como for, a América acordou em crise por Kanye West, fulcral para a manutenção do seu casamento com Kim Kardashian, figurar agora como um dos defensores de alguém tão contrário a valores tendentes para a tolerância e o cosmopolitismo. Quem estiver a par da obra e, especialmente, do percurso intelectual de West, intui que o que mais importa para si é provocar, e provocar com sentido de humor. Há uns dias, West escreveu no Twitter: “Harvey Levin of TMZ your [sic] hearing from your future president. Let’s be friends. Please never use the word erratic to describe a person who is economically and psychologically empowered.” A primeira coisa que se sente ao ler isto é vontade de rir, porque é esse um dos intuitos do rapper, fazer rir. Isso leva-nos a Trump e a algo (talvez) mais relevante. Trump é alguém que, tendo muita confiança em si mesmo e não vendo limites para a sua ambição, não leva nada a sério, nem a presidência americana, e por isso se tornou presidente. Kanye percebeu que não é preciso andar no sistema, ser um político com um discurso estruturado ou ser afiliado num partido: o fundamental numa sociedade como a americana, desprovida de ironia e de humor, é levarmo-nos mais a sério do que a presidência. Não é só a ausência de estofo intelectual que leva Trump a insultar ou a humilhar jornalistas e adversários políticos, a ameaçar a Coreia do Norte com “fogo e fúria”, é também uma vaidade desmedida que faz da sua pessoa alguém que tem conseguido tudo o que tem desejado. E este é Kanye: uma criatura tantas vezes idiota, sim, mas talentosa, que não encontra limites, que percebeu que este sistema americano, que este mundo, pode ser conquistado por via da vontade e do riso. Facilita pensar em Trump ou Kanye como gurus do optimismo e da comédia que, mais do que desejarem uma América renascida, desejam uma América vergada aos caprichos de um Eu cómico e imprevisível.