3 poemas de Miguel Ezcurdia Royo
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Sabão e Água Contra o Linho Marcado
No final da manhã a minha avó
subia ao terraço e estendia os lençóis
do meu sono, os sonhos presos no linho
como fantasmas distendidos, rasgados ao meio
pelo gume quente do dia, como um porco
na celebração mais antiga: avó,
hoje é dia de limpeza. És fantasma
no alto do terraço da aldeia, o lençol sobre os cabelos
brancos do vento, soltos, os teus ombros são o estendal
dos meus sonhos mais fundos, raízes que passam
de cabeça obsoleta para cabeça nascente, a minha.
Sabão e água contra o linho marcado
a medo: os sonhos, húmidos, para lá da ombreira,
para lá do alpendre onde faca e fantasma se quebram. A lâmina brilha
no último piso, a minha ascendência cravada
na carne, celebrada: limpeza,
cheira a sabão que seca e a lavanda.
Da Vide
É Sobre a Pedra que a Luz Afia o Gume
Recorro à metáfora violenta para aceder
ao teu corpo e coloco-o no pedestal: rasgo-o
de baixo para cima com um movimento
ritual do ventre até à boca porque
sei que é nos intestinos que metabolizas
as imagens anteriores onde a luz
não chega: eu trago os instrumentos
do fogo e incendeio os teus órgãos internos.
É sobre a pedra que a luz afia o gume
morno dos primeiros dias. Com as mãos separo
a carne e os dias, levo duas pedras de sílex
para atear a velha fogueira apagada.
Da Vide
O Sal Não Mata a Sede
Já não nos afogamos no mar distante.
A nossa garganta não se enche com a maré alta
e as ondas não batem contra a escarpa
da laringe erodida a golpes de água:
sem sentir o sal dos lábios
morremos na praia, deitados
tão perto do mar, como se o corpo recusasse
a sua condição motora. Mas o sol, a água: por cima do corpo
o tempo sonha no sentido contrário dos órgãos. Escapa
pela boca onde cresceu a água, mas o sal não mata a sede.
Da Vide