3 poemas de Rafael Mantovani
/instinto
quando acordei do incêndio, no desespero só salvei
os nomes de alguns atores pornô
pacotes de queijo ralado
um cubo fofo das palavras milagrosas
um número de likes no facebook e uma lista de tarefas
feitas pela metade, metas
alcançadas de comunhão social
lembro de um mal-estar os trovões uma preguiça
no entanto um bicho ferrenho ainda lutava
ainda abria todos os olhos calcava
as pernas contra o colchão molhado
ainda arrancava os pelos brancos com uma pinça
no espelho
mesmo chorando de frio
alguma coisa ainda tinha fome
na boca um pedaço de carne grande demais
um longo gemido querendo dizer ao mesmo tempo
“foda-se”, “socorro” e “obrigado”.
sylvia plath cansada
o fantasma de sylvia plath prefere comidas frias
e segura minha mão
na hora que eu chego, e antes de ir embora
só sorri porque eu babo um pouco
quando recito substanceless, e esquece
(por meia hora) o que já não pode
deixar de saber sobre o sol, que devora
quem tenha a coragem de lhe olhar no olho
conto pra ela que sou um gay medroso, na
internet, nem consigo ver fotos de
mutilação, cirurgia e tortura, por exemplo —
fecho a janela na hora
ela está com pressa mas tem paciência
comigo, como uma criança, me explica
que a internet só existe na minha cabeça
são outros os monstros com asa
que podem entrar na sua janela, pensa
ela, mas eu não preciso saber disso ainda
(regule todo dia / a dose do seu medo)
ela me ofereceria um chá, se tivesse
algo de gosto fraco em casa
se pudesse, me daria um abraço, um
doce, um brinquedo.
dique
tudo só dói ou é gostoso enquanto
passa em algum
buraco
(não dói quando contido)
a economia dos diâmetros, o
exercício diário
balizamento inconsútil
entre o inútil e o não-inútil
(cuidados ora medos
esperança ou burrice
prazeres ora vícios)
tudo questão de abrir e fechar
orifícios
(como o trabalho de vida
que cabe a qualquer outro bicho).