Isabel responde a Artur

Artur,

 

 

   Artur, Artur, como estava enganada. Nesse quarto escuro tu não me tiraste a virgindade, tu emprestaste-ma. Lembras-te talvez das paredes cheias de mofo, daquela cadeira empoeirada e coçada, desfeita, da tua cama que rangia sem consequência?

   Pois eu lembro-me de ti. Lembro-me de estares gordo, não de seres. Lembro-me dos teus olhos castanhos. Sempre disseste que eram banais. Não percebes nada de mulheres.

   Nunca te perguntei se era feliz? Pergunto-te agora: sou feliz?

   Os meus filhos estão quase a chegar a casa, cheios de merda na cabeça, espetaram-lhes os mallsno fígado e agora cospem prendas baratas, têm vírgulas nos crânios e enfrascam-se contra as paredes, mesmo sem carro. Boston é nojenta. Não tenhas dúvidas. É nojenta. Detesto americanos, e agora sou um deles. Que horror.

   E o meu marido é mais flácido do que tu. E fode bastante menos que tu, ainda bem. Tu ao menos davas-te ao trabalho de fingir que estavas comigo. Ele, nem por isso.

   Sou feliz? Nunca te perguntei se era feliz?... E é agora que o dizes!... Agora!... Agora?... Não tenho medo, ou melhor, duvido que tenha medo de te escrever, como sempre te escrevi. É que nessa tarde já me tinhas perdido. Naquele café, que tu tão bem descreveste. Perdi-te até no empregado. Não me lembro do cão, estava demasiado preocupada com o resto da tarde. Só tu para olhares para a merda do cão. Ah, mas demorei anos a perceber; não era, não era, não era nem virgem antes de te conhecer, nem qualquer outra coisa. E, no entanto, deste-me algum tipo de pureza – não aquela pureza parva dos homens que tentam o mundo sem o penduricalho que lhes entristece as pernas – não, deste-me o peso do teu corpo. Aí percebi que gostava de homens. E que tu nem de mulheres nem de homens. Mas isso, Artur, não faz de ti o infeliz que pensas que és. Também tu tens algo de estupidamente feliz em ti: não és perfeitamente infeliz.

   Sou feliz?

   Idiota.

   Sempre fui feliz ao teu lado. Não percebes nada de mulheres. Nada. Deve ser por isso que és tão gordo. Mas nem que fosses perfeitamente gordo serias totalmente infeliz. E se calhar nem te lembras, que digo eu?, claro que não te lembras, de como o fizeste. Como de facto foi. Lembras-te da cama, do quarto, do mofo, do cheiro, do raio do cão, do empregado de café, de tudo, menos do que aconteceu. O que aconteceu? Despimo-nos um ao outro. Beijámo-nos. Eu sei que tu fingias beijar, querias saber se eu queria ou não fazer aquilo. Eu não. Eu beijava-te. Não pusemos música. Deitamo-nos. Abri as pernas. Puseste-te em cima de mim. Beijavas-me, sempre a fingir, e perguntaste-me milhares de vezes se eu tinha a certeza. Que porra. Claro que sim. Não percebes nada de mulheres. Senti o teu corpo e mais do que a ti, uma dor intensa. Desapareceste e deste lugar àquela dor, mas continuaste lá com ar culpado. Foi aí que percebi que não era virgem. Que nunca fui virgem desde que me conheço.

   Se sou feliz?

   Ainda agora quase me matei a beber. Uísque, cerveja, que o vinho aqui fica muito caro. Os meus filhos nem percebem que estou bêbeda. O John muito menos. Tinha que se chamar John, pois está claro. John. Banal, banal, banal.

   Se sou feliz?

   Não me ofendas, gorducho, fofinho. Não percebes nada de mulheres.

 

 

   Isabel

 

P.S.

 

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