POSTAL DE NATAL, 2019 e outros poemas
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O frio traz a noite e o burro lê
tranquilamente a passagem do regresso do filho
pródigo.
Cansou-se da demonstração do presépio e entre
cigarros e perna cruzada deleita-se na leitura.
Quem diria um burro tão esperto!
José que já vê pouco
talvez tenha sido sempre cego
seguiu-lhe os passos até ao café
e calado ouve da boca do burro o
intenso ajoelhar do regresso
a mão sobre a cabeça do filho
o doce olhar da mãe.
Ao longe na velha manta
Maria dorme. Descansa.
Como é bonito ver alguém dormir!
A seu lado o menino acordado não faz barulho
e escuta a voz doce do burro
vinda de longe.
Não sabe o pai que é
o menino que brinca com o burro e lê ele mesmo o texto
pela voz do burro que relincha.
Tem os olhos azuis este menino
e deles caem estrelas pavões e novas palavras
que serão esquecidas pelo tempo. É ele que
acrescenta palavras
retira adjetivos
prolonga a história. É ele que me
anuncia
furando
o tempo
que o meu regresso foi adiado.
José perdido na história pergunta: Baltasar
de onde vem esse João que agora me falas?
MELOPEIA
Na era do iphone Na era do tablet
Na era do youtube Na era do Spotify
Na era da balbúrdia Na era do ruído
No longo ou curto escrito poema
a melodia não me interessa!
PH-1049, 1977*
“It is a matter of joy”
- Clyfford
Segue as estradas monótonas do que conheces antes que o
terrífico fogo te condene ao eterno enamoramento do belo.
Imenso é o poder das chamas amarelas sobre o teu pequeno
lento e fraco corpo; é ele que te tira o peso e te eleva à pura
surpresa. Ao abrires os olhos o teu sangue escorre pela tela.
*Poema de “Hieria”
Leonardo da Vinci - “Adoração dos Magos”, c.1481-82.