GALILEU e outros poemas
/“Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.”
- Bertold Brecht
GALILEU
- COM VERSOS DE KAVAFIS-
“O ídolo acabou em cinzas;
prà vassoura do lixo”
- Kavafis
Galileu, o miúdo irritante, deu um pontapé
na alta estátua de Zeus. Por isso,
obrigaram-no a sentar-se nas aulas
de reeducação clássica da Flup.
Com os braços cruzados
recusava-se a tirar notas.
“Que fique para ali até que o sangue
lhe corra pelas orelhas. Para que obedeça
a Zeus e ao seu Sumo Sacerdote - Eu, Julião”
E irritado, Galileu saiu-se com esta frase:
“Não leio Her Christiaan Huygens para não me influenciar!”
O sacrilégio e o riso foi geral na turma!
Quem era aquele puto para negar Zeus,
os antigos Deuses, o Sol?
O sumo sacerdote do seu alto, numa
mistura de doçura e malicia, sorria. Tolerava a rebeldia, mas
não sabia o que queriam dizer as palavras de Galileu.
Diziam, nas entrelinhas, outra história:
“Respeito-te, mas não te presto vassalagem, porque
a terra é redonda e o tempo gira.”
Minutos depois, Galileu, novamente irritado, repetiu
nova sentença, sem que ninguém esperasse:
“Não leio Her Christiaan Huygens porque sou fiel!.”
De todos foi chacota!
O ímpio Sacerdote irritou-se
e nervoso gritou: “tirai-o, expulsai-o,
levai já esse merdas daqui.”
Ninguém percebeu Galileu!
(não percebeste
pois se percebesses, não repelias o que lias) -
nunca o liam nas suas entrelinhas -
com aquela frase queria dizer, Galileu,
que era fiel à sua Liberdade (a livre escolha)
e à sua Natureza: questionar todos os poderes!
E sem tardar, vieram os seguranças expulsá-lo
do esbelto e altíssimo Palácio da Ventura.
À saída, o miúdo escreveu, num guardanapo,
a seguinte nota, uma a ser entregue ao sumo sacerdote:
“Peça a minha cabeça, pois é a mais pesada,
a que, de entre todas, tinha alguma massa cerebral,
e não um mero recipiente espelhado!”
E no reverso do papel acrescentou:
“Cortai minha cabeça e aparecerão dez mil!”
O que será muito, muito Pior!
A (DES)ORIENTAÇÃO
“O enfermeiro dá uma injeção
a Stan Smith, o Dad”
- Vítor Teves
Depois de apresentar as linhas do trabalho que fiz
no pouco tempo que tinha
esperei pelos comentários construtivos que não apareceram.
Calado frente à fila de professores
gente que aprendera, muito cedo, a boa arte de engolir
ouvia-os
brincavam como crianças birrentas ao jogo dos egos:
“O meu ego é maior que o teu!”
“Não, não, desculpe, mas o meu é que é maior que o teu!”
“Desculpe, mas não concordo. Eu é que sei!”
“Mas não leu o autor x, meu caro?!”
“Oh meu caro, desculpe, mas isso não disse X no passado!”
“Desculpe, mas continuo a dizer-lhe que o meu ego é o
maior, o Maior. Sou o Maior!”
“Mas o meu ego é, sim, maior que o teu!”
“Se fosse seu orientador dava-lhe três injeções e isso ia lá!”
“Desculpe, o ego é meu, o aluno é meu!”
“Com toda a delicadeza, não se ofenda. Mas o meu ego é maior!”
Sentado
como se esperasse um Calipo vermelho que
nunca mais chegava
ia observando o chinfrim.
Quem me dera ser um aluno desmiolado distraído
um que que não observasse todas as boas subtilezas.
Estar na Academia é melhor que ler Crime e Castigo
mas qual foi o meu crime?
O BOM PADRE
O bom padre é aquele que apregoa
aquilo em que ele próprio não acredita.
Apregoa a diversidade mas nega-a
no seu íntimo. Ser padre é isso!
Ser padre é tornar-se mero artifício do hábito.
Cantar feito ave mecânica (um cuco que
sai do velho relógio) na hora certa.
Apregoar alto aquilo em que não se acredita.
No fundo o bom padre quer a hierarquia
dos bons nomes definida: Pai no altar-mor
Filho sentado na nave central e o Espírito Santo
no hall da igreja. Haja ordem!
Um mundo de misturas é uma confusão!
E quem gosta de confusão? Ordem, diz o juiz!
SARNA
“Run boy run! Break
out from society”
- Woodkid
Manoel de Oliveira foi uma seca até morrer,
depois virou extraordinário!
A Joana só usa croché, é pirosa, e
o Walter só escreve palavrões.
Foi na aula em que o professor anunciou:
“ele é assumidamente homossexual”
A SSU MI DA MENTE! Como se o Vesúvio
estivesse quase a explodir. E? Sabia tão mal
disfarçar a sua homofobia como sabia tão bem
a caderneta de cor.
A Amália é que era boa!
Triste Sina!
Portugal nunca foi racista!
Nunca matamos pretos,
toda a gente sabe que nunca matamos pretos,
Sempre fomos pacifistas!
No tempo de Salazar é que era bom!
Esses jovens são todos uns idiotas,
não leram nada, não sabem nada!
E os velhos são todos como os
padres: puros doces inocentes.
“O meu filho é um Santo Homem,
Sempre amou o Senhor, dá-se todo!”
(Até demais!)
As mulheres de limpeza são porcas
linguarudas e preguiçosas como
todos os funcionários públicos.
Assim é o puto da pastelaria que
nunca se despacha, uma matraca!
Vamos lá! Eu tenho uma vida!
O jogo está quase a começar!
A EMPRESA “Academia dos Insetos”
“Abuse of power comes
as no surprise”
- Jenny Holzer
“O patrão Vasques
é a Vida”
- Bernardo Soares
Um inseto sensato define Academia:
Seres sentados à sombra da Bananeira
sugando a grande e Majestosa Teta. Com
o peso caduco dos seus corpos tentam em
vão estancar o sangue do rio que corre ou
parar todo aquele que lhes faça frente.
Mesmo que o inseto venha apenas anunciar
numa pequena e delicada estrofe que da
grande e velha vaca já só resta a carcaça.
Olho de uma estátua Grega, séc. 500-100 a.c.