Trinta Anos, de Bruno M. Silva
/Suponhamos que nada se sucede como esperavas.
Não te casas, não tens filhos,
o mistério não se acumula
e à tua volta cresce um dissimulado
vazio
a que te habituaste com os anos,
como água
que esfria em torno do teu corpo,
do corpo dos mortos, das flores de plástico.
Logicamente envelheces
e entendes necessário o ódio
para tamanha solidão.
No suceder das noites
os copos estalam sem ruído
por corredores que nunca atravessaste,
por cobardia ou conveniência,
mas que talvez ainda esperem,
como os rios esperam os suicidas,
os teus pés atravessando-os,
despidos de súbito de todo o abandono.
E lanças agora a prece a um deus
que talvez permanecesse
desde a infância,
mas que sem saberes lá ficou,
espiando altares derrubados
pela luz de uma certa clareza
que a esta hora te falta.
Os convidados
deixam também eles de aparecer.
A festa agora pertence-te,
e já te podes olhar dentro de todo este vazio –
já podes aclarar a voz com que dirás à morte
o teu nome.
28/09/20