Perguntas-me o que é uma esfera

Perguntas-me   o que é uma esfera   e eu digo-te

depende da qualidade do som   isto é   quando é

quando é de manhã há sempre um halo de luz

da noite em que te encontraste com uma certa forma

como uma certa forma geométrica   entendo-te

consolo-te   digo-te   gostavas de escrever para todos

não é   gostavas que os teus ruídos fizessem

alguma forma de sentido para além da esfera

e vejo agora que te agrada o teu rosto

deformado nas mãos do metal   e sabes

também eu já sei que me escondo por ti

que te acuso dos meus segredos e os vomito

como nos quadros de uma exposição   entrando

dentro de uma alameda de plátanos que se dobram

para rezar   confrontando o altar com as suas sombras

que nos deixam um sacrifício profano   isto é

às portas do templo recapitulando cada geometria

como se soubéssemos o que é uma esfera   isto é

um círculo que se estende como a tua estatura

pequena   feita de pequenos saltos   frequente

como uma qualquer comparação sem a partícula como

ou uma merda dessas que se dizem na escola

de olhos vagos   macios   terrenos   co’a aspiração

a ser mais do que   mais do que   sabes

perguntas-me o que é uma esfera e eu

pobre de mim   acabo de pisar um palco

e descobrir que ter voz forte é apenas contingência

e que uma esfera é o que nos permite ver

para debaixo   o que está debaixo da máquina

a engrenagem que está debaixo e permite que haja

um pedaço de madeira a quem chamam palco   sabes

por isso é que qualquer grande tragédia tem

a forma de uma tragédia   isto é   um momento

em que alguém se lembra que está sobre um palco

e que a máscara   e que a pessoa   desatou a ser

um bocado da mão   um bocado do pé   um pedaço da boca

e ganhou a forma de uma lenda   de uma seta

e é por isso que qualquer pecado falha

como sempre falham as estrelas que nos enganam

como qualquer um que se preze até formar um gesto

perguntas-me   o que é um astro   o que um lírio

o que é um junco   respondo-te   se nunca viste uma esfera

é porque andaste distraída à espera de outra

de outra forma   e agora    agarra-te

porra   agarra e eu segurar-me-ei

a ti à tua voz pequena   sempre rouca

aos teus braços que não me podem segurar

e confiarei a minha solidão à tua velhice

que sempre acomete os plátanos e as lezírias

que sempre tomba como os gigantes nascidos

de pequenos vermes   mesquinhos até à sofreguidão das esferas.