"Entrevista sincera com Pier Paolo Pasolini sobre o mundo, a arte, o marxismo", por Laura Bergagna (1968)
/Tradução: João Coles
Porque é que protesta constantemente, senhor Pasolini?
Porque protestar é a função dos literatos.
Então protestaria mesmo que não houvesse nada por que protestar?
A génese de um escritor está codificada por leis biológicas. Desde crianças que os escritores se assemelham entre si, como os loucos. Têm em comum a sensação de estarem excluídos do mundo.
Sente-se excluído do mundo?
Não, eu estou lindamente no mundo, acho-o maravilhoso, sinto-me preparado para a vida, como um gato.
Então porque é que protesta?
É da sociedade burguesa que não gosto. É a degeneração da vida do mundo. Hitler foi o produto típico da pequena-burguesia.
E Estaline?
Estaline também é um produto pequeno-burguês.
E Atila?
Atila era uma força descontrolada da natureza. A sua atrocidade não se disfarçava de justiça, de ordem.
O que pensa de Che Guevara?
Parece-se demasiado a Hemingway para o meu gosto.
De que é que não gosta em Hemingway?
Do burguês que troca o seu desassossego, por muito nobre que seja, por uma palingenesia, o seu moralismo pequeno-burguês por moralidade revolucionária. Isto é também o que me ofende com Che Guevara, a sua atitude arbitrária e respeito pré-estabelecido pela revolução.
Conheceu-o?
Não, li o que dele escrevem os jornais. Mas sinto que seja assim.
Como gostaria que fosse o mundo para que lhe agradasse?
O mundo agrada-me tal como é. Teria dito em tempos que gostaria de uma sociedade socialista. Mas agora estou desiludido.
Há um homem, uma sociedade no mundo que o satisfaça?
Indicaria Fidel Castro e Cuba.
Conhece bem Fidel Castro e Cuba?
Não.
Porque não vai conhecê-los?
Não tenho tempo, tenho de trabalhar.
As suas opiniões políticas, dada a sua celebridade, têm grande ressonância. Não se sente responsável pelo efeito que podem ter?
Ignoro ser uma pessoa com poder de representação e gostaria de reservar-me o direito de errar. Se eu fosse a Cuba e me apercebesse de me ter enganado, di-lo-ia.
Acredita numa moral?
Eu acredito numa moral contra o moralismo burguês. Qual é a diferença? Explico-lha: o moralista diz não aos outros, o homem moral di-lo somente a si mesmo.
Diz não a si mesmo?
Isso é conversa fiada.
Prefere então falar das férias? Onde vai de férias?
Não vou de férias. Nunca vou.
É um não que diz a si mesmo?
Não tenho tempo para férias. Tenho muito trabalho para fazer. O trabalho é uma obsessão, não consigo desprender-me dele.
Talvez seja uma evasão.
Digamos antes uma droga?
Porque é que se droga?
Já lhe expliquei. A minha relação com a sociedade histórica em que me encontro é uma relação infeliz.
Mas disse-me que se sente bem no mundo.
Tenho uma relação maravilhosa com o mundo: a natureza, o amor, pessoas concretas. Também com os pequeno-burgueses. Os meus melhores amigos, as relações mais sólidas, são da burguesia.
Não lhe parece contraditório?
A burguesia, mesmo nos momentos mais horrendos, deu-nos coisas estupendas. Tenho de reconhecer que mesmo hoje em dia a humanidade faz belíssimos quadros, romances, filmes, grandes progressos no saber. Eu nego a ideologia do consumismo. Aquilo que a sociedade contemporânea ainda nos dá de bom e de bonito provém das suas raízes humanísticas, de um mundo antigo, pobre e religioso. Mas a sociedade consumista é irreligiosa e, por conseguinte, árida.
Mas não é ateu?
Sim, sou ateu. Mas as minhas relações com as coisas estão repletas de mistério e de sagrado. Para mim, nada é natural, nem sequer a natureza.
As suas respostas parecem-me abstractas.
Tal como as suas perguntas.
Falemos de si. É tímido?
Sim, sou tímido. Aliás, a bem dizer sou ingénuo, mas ninguém acredita em mim. É penoso viver em mal-entendidos. Acreditaram durante anos que eu assaltei um funcionário de uma bomba de gasolina apontando-lhe uma pistola. É uma angústia viver assim. Acusam-me agora de ter escrito um poema contra os estudantes. Escrevi-o num momento de impulso para uma revista lida por pouca gente. Autorizei mais tarde que um semanário publicasse alguns trechos no âmbito de um debate com jovens. Porém, publicaram-no por inteiro. Quando o vi no semanário já me arrependera de o ter escrito. Eu estou do lado dos jovens, apesar de não aprovar a posição deles à esquerda do comunismo. É uma atitude veleidosa. Nos países onde existem partidos marxistas fortes não se pode prescindir deles sem correr riscos de extremismo que acabam por ser auto-lesivos, como infelizmente aconteceu em França.
Porque é que apresentou o seu Teorema ao Premio Strega para depois o retirar? Diz-se que o retirou porque obteve poucos votos. O que responde?
Não existe um escritor que não apresente a sua obra a um prémio, para dá-la a conhecer, para vencer, para ter uma fonte de lucro. Quanto às coisas graves soube delas depois. O que acontece no Premio Strega já não é uma pequena luta eleitoral, como era dantes, é um jogo em grande plano que se torna perigoso.
O senhor escreveu um guião para um filme e depois fez dele uma obra narrativa para o Premio Strega. Corre o rumor que também o reduziu para uma peça de teatro para concorrer a outro prémio, o Pirandello. Não lhe parece que seja uma exploração intensiva de uma ideia?
Sou um literato e o meu guião já é uma obra narrativa. Não é verdade que vá concorrer ao Premio Pirandello.
Acha bem abolir doravante todos os prémios?
Não, os prémios são necessários para dar a conhecer as obras ao público. Eu e o Moravia fundámos um numa pequena cidade que se chama Zafferano. O que é urgente é garantir que os prémios escapem da indústria cultural.
Moravia, Pasolini, sempre os mesmos. Isto também não é uma forma de monopólio cultural? Como é que em vinte anos ninguém tomou o vosso lugar? Já não nascem escritores dignos de vos substituir?
Se o Ludovico Ariosto fosse vivo, excluí-lo-ia dos júris? É natural que haja uma certa forma de poder devido ao prestígio de um escritor. De resto, o Moravia está a demonstrar que não está ultrapassado, que ainda tem muito para dizer. Se não o conseguem substituir no cume, é porque a sociedade italiana está morta. Uma sociedade pequena e analfabeta produz literatura medíocre. De resto, os jovens não se interessam pela literatura, como demonstra o movimento estudantil. Eu comecei a escrever aos sete anos de idade. Os jovens de hoje sentem-se atraídos por vocações políticas, técnicas… Não quero dizer com isto que estas sejam menos válidas.
Há alguma pergunta que gostaria que lhe tivesse feito?
Gostaria que falasse das coisas sérias que faço. Publiquei um manifesto sobre o teatro na “Nuovi Argomenti”, que me parece inovador e importante, mas caiu em saco roto.
Talvez se espere de si uma nova peça de teatro, em vez de um manifesto novo.
Tenho seis dramas prontos, seis tragédias em verso. Aparentemente o Stabile di Torino vai dar-me a possibilidade de representar uma delas. Mas agora tenho coisas a fazer, estou a preparar o Teorema. Adeus, Sr.ª Bergagna, deixe-me ler a entrevista antes de a publicar.
Adeus, Sr. Pasolini, deixe-me ver o seu filme antes da estreia.
Texto de Laura Bergagna. "Intervista sincera con Pasolini sul mondo, l'arte, il marxismo" 12.07.1968 © La Stampa
"Intervista sincera con Pasolini sul mondo, l'arte, il marxismo"
Perché protesta sempre, signor Pasolini?
Protestare è una funzione dei letterati.
Allora protesterebbe anche se non ci fosse nulla da protestare?
La genesi di uno scrittore è codificata da leggi biologiche. Da bambini gli scrittori si assomigliano tra di loro, come i pazzi. Hanno in comune il senso della esclusione dal mondo.
Lei si sente escluso dal mondo?
No, io sto benissimo nel mondo, lo trovo meraviglioso, mi sento attrezzato alla vita, come un gatto.
Allora, perché protesta?
È la società borghese che non mi piace. È la degenerazione della vita del mondo. Hitler è stato il tipico prodotto della piccola borghesia.
E Stalin?
Anche Stalin è un prodotto piccolo borghese.
E Attila?
Attila era una forza scatenata della natura. La sua atrocità non si ammantava di giustizia, di ordine.
Che cosa pensa del Che Guevara?
Assomiglia troppo a Hemingway per i miei gusti.
Che cosa non le piace di Hemingway?
Il borghese che scambia la sua inquietudine, per quanto nobile, per una palingenesi, il suo moralismo piccolo borghese per moralità rivoluzionaria. Questa è anche ciò che mi offende in Che Guevara, il suo atteggiamento arbitrario e precostituito rispetto alla rivoluzione.
L'ha conosciuto?
No, ho letto quello che scrivono di lui i giornali. Ma sento che è così.
Come vorrebbe che fosse il mondo per piacerle?
Il mondo mi piace così com'è, una volta avrei detto che mi piacerebbe una società socialista. Ma ora sono deluso.
C'è un uomo, una società al mondo che la soddisfi?
Indicherei Fidel Castro e Cuba.
Conosce bene Fidel Castro e Cuba?
No.
Perché non va a conoscerli?
Non ho tempo, devo lavorare.
Le sue opinioni politiche, data la sua celebrità, hanno una vasta risonanza. Non si sente responsabile dell'effetto che possono avere?
Ignoro di essere una persona di rappresentanza e mi voglio riservare il diritto di sbagliare. Se andassi in Cuba e mi accorgessi di avere sbagliato, lo direi.
Crede in una morale?
Io sono per la morale contro il moralismo borghese. Qual è la differenza? Glie la spiego: il moralista dice no agli altri, l'uomo morale lo dice solo a se stesso.
Lei dice no a se stesso? Quando?
Sono domande da salotto.
Preferisce allora parlare delle vacanze? Allora dove andrà in vacanza?
Non vado in vacanza. Non ci vado mai.
È un no che dice a se stesso?
Non ho tempo per le vacanze. Ho molto da lavorare. Il lavoro è una ossessione, non riesco a strapparmici.
Forse è un’evasione?
Diciamo piuttosto una droga?
Perché si droga?
Glie l'ho detto. Il mio rapporto con la società storica in cui mi trovo è un rapporto infelice.
Ma lei ha detto che al mondo si trova bene.
Ho un rapporto meraviglioso col mondo: la natura, l'amore, le persone concrete. Anche con i piccoli borghesi. I miei migliori amici e i più solidi sono nella borghesia.
Non è in contraddizione?
La borghesia, anche nei momenti più orrendi, ha dato cose stupende. Devo riconoscere che anche ai giorni nostro l'umanità fa bellissimi quadri, romanzi, film, grandi progressi nel sapere. È l'ideologia del consumismo che io nego. Quello che la società contemporanea dà ancora di buono e di bello, viene dalle sue radici umanistiche da un mondo antico, povero e religioso. Ma la società consumistica è irreligiosa, e quindi arida.
Lei non è ateo?
Sì, io sono ateo. Ma i miei rapporti con le cose sono pieni di mistero e di sacro. Per me niente è naturale, nemmeno la natura.
Le sue risposte mi sembrano piuttosto astratte.
Come le sue domande.
Parliamo di lei. È un timido?
Sì. Io sono un timido. Anzi, per meglio dire, un ingenuo. Ma nessuno mi crede. È doloroso vivere nel fraintendimento. Per anni hanno creduto che io abbia rapinato un benzinaio puntandogli la pistola. È angoscioso vivere così. Adesso mi accusano di avere scritto una poesia contro gli studenti. La scrissi in un momento d'impulso per una rivista che pochi leggono. Acconsentii poi a che un settimanale ne pubblicasse qualche brano in occasione di un dibattito con dei giovani. Invece l'hanno pubblicata per intero. Quando l'ho vista sul settimanale, ero già pentito di averla scritta. Io sono dalla parte dei giovani, anche se non approvo il loro mettersi a sinistra del comunismo. È un atteggiamento velleitario. Nei paesi dove esistono forti partiti marxisti, non si può prescindere da essi senza rischio di estremismo che finiscono con l'essere autolesivi, come purtroppo è accaduto in Francia.
Perché ha presentato il suo Teorema al Premio Strega, se poi l'ha ritirato? Si dice che l'abbia ritirato perché aveva ottenuto pochi voti. Cosa risponde?
Non esiste scrittore che non presenti la sua opera a qualche premio, per farla conoscere, per vincere, per guadagno. Le cose gravi le ho sapute dopo. Qual che avviene al Premio Strega non è più una piccola lotta elettorale, come una volta. È un gioco in grande, che diventa pericoloso.
Lei ha scritto una sceneggiatura per un film, poi ne ha fatto un'opera di narrativa per il Premio Strega. Corre voce che l'abbia anche ridotta in opera teatrale per concorrere a un altro premio, il Pirandello. Non le sembra uno sfruttamento intensivo di una idea?
Io sono un letterato e la mia sceneggiatura è già opera di narrativa. Non è vero che concorra al Premio Pirandello.
Crede sia bene abolire d'ora in poi tutti premi?
No, i premi sono necessari per far conoscere le opere al pubblico. Con Moravia ne abbiamo fondato uno in un piccolo paese che si chiama Zafferano. Ciò che è urgente, è far sì che i premi sfuggano all'industria culturale.
Moravia, Pasolini, sempre gli stessi. Non è anche questa una forma di monopolio culturale? Come mai in vent'anni nessuno ha preso il vostro posto? Non nascono più scrittori degni di sostituirvi?
Se fosse vivo Ludovico Ariosto, si sentirebbe di escluderlo dalle giurie? Una certa forma di potere dovuta al prestigio di uno scrittore, è naturale. Del resto, Moravia sta dimostrando di non essere un sorpassato, di avere ancora molte cose da dire. Se altri non lo sostituiscono al vertice, è perché la società italiana è morta. Una piccola società analfabeta produce una letteratura mediocre. Del resto, i giovani non sono interessati alla letteratura come dimostra il movimento studentesco. Io ho cominciato a scrivere all'età di sette anni. I ragazzi di oggi sono attratti da altre vocazioni, politiche, tecniche... Con questo non voglio dire che siano meno valide.
C'è una domanda che le piacerebbe io le avessi posto?
Mi piacerebbe che ci si occupasse delle cose serie che io faccio. Ho pubblicato un manifesto sul teatro in Nuovi Argomenti, che mi sembra cosa nuova e importante, ma è caduto nel vuoto.
Forse ci si attende la lei, invece di un nuovo manifesto, un nuovo teatro.
Ho sei drammi pronti, sei tragedie in versi, Sembra che lo Stabile di Torino stia per darmi la possibilità di rappresentarne una. Ma adesso ho da fare, sto montando teorema. Addio, signora Bergagna. Mi faccia legger l'intervista prima di pubblicarla.
Addio, signor Pasolini. Mi faccia vedere il suo film prima che sia rappresentato.
Un testo di Laura Bergagna. "Intervista sincera con Pasolini sul mondo, l'arte, il marxismo" 12.07.1968 © La Stampa