Almoço em Boa Companhia
/Ao almoçar num banco de jardim com uma gralha-de-nuca-cinzenta,
Com quem partilho o meu cachorro-quente, bem frio, do Lidl,
Dou-me conta, que se calhar, fui realmente poeta, agora não,
Agora vejo apenas, vejo que rapidamente as palavras escritas
Se esquecem, porque não foram lidas, mal se apagou o brilho
Da juventude e já o interesse desaparece, ao menos a gralha,
Dá-me a atenção de todos aqueles olhos cinzentos,
Eu sei que a vontade é de um pedaço do pão, mas ao menos
Não finge interesse nos belos rabiscos de merda, que deixo
No bloco ridículo, que já não é mais que um hábito,
Como sacar mais um cigarro no meio de um fumo de aborrecimento,
Também isso deixei, pensei que me salvava com um comprimidinho,
Todos os dias ao acordar, mas não vou andar a obnubilar
A minha vontade de que todos se vão foder, não me parece
Que andar a cheirar rosas e cantar primaveras, a esta época
Do apocalipse, seja uma atitude saudável, fui poeta,
Agora como cachorros-quentes em bancos de jardim na companhia
De gralhas, silenciosas, como gosto, sem sequer um Acho que devias,
Nem um Seria melhor se, nada, uma fome silenciosa, simples,
E a primavera lá vai, como muitos lá foram, agora que se foda,
Poetas há muitos, acho que é uma questão de conseguir aguentar
A queda nas graças, um equilibrismo entre meia dúzia de versos
E um bater palmas, o tempo tornou-se demasiado curto,
Não há tempo para alimentar bois nem burros,
A palha custa madrugadas e muitas garrafas de vinho,
Palmadinhas nas costas e sorrisinhos falsos matam a fome
A quem tem a barriguinha cheia, vamos gralha, já não
Estamos para esta merda, vamos, antes que alguém dê por nós.
Turku
17.06.2021