Dois poemas do novo livro de Cláudia R. Sampaio

Cláudia R. Sampaio, 'Os dias da corja', Do lado esquerdo, 2014

Cláudia R. Sampaio, 'Os dias da corja', Do lado esquerdo, 2014

A margem

 

Ando feita de crisântemos
luz, banhos de ouro
e perfumes franceses.
Nota-se assim que falo
que um outro eu me substituiu.
Sou agora quase feita de
anúncio de tv,
cara de porcelana e alma
de fermento.

Sonhei.

Os demónios da boca seca
fizeram-me levantar da cama e
suspensa por um fio de vida
redimi-me à margem solta
de um suspiro que ainda
falta.

 

Desfez-se-me o fermento e
a alma, encolhida,
coube-me perfeitamente na
fronha da almofada.

 

O peso dos outros

 

Ao Homem tanto faz a natureza
se anda abismado, com outros
às cavalitas
quando chega à meta
já os perdeu a todos
e depois é que olha o céu
e sente a chuva, tão nova

ao Homem tanto faz o verbo
se se multiplica pelos actos
quando dá por ele, já são muitos
e depois a terra abala-se
e é a cabeça que inventa deus

a mim, tanto me faz o Homem
sou espuma na onda
desfaço-me mas volto
e só existo de vez em quando.

 

Cláudia R. Sampaio

Os dias da corja

do lado esquerdo 2014

(a sair em breve)