Crítica Literária: o vazio
/Nota prévia
Este texto parte dos seguintes pressupostos: é função do crítico literário regular o mercado literário; o crítico literário falha nessa sua função e é uma espécie de Banco de Portugal.
1.
Em Portugal poucos são os verdadeiros críticos literários. A maior parte das vezes ou são poetas ou romancistas a “exercer”. O crítico literário, em Portugal, é um conceito híbrido. Claro que pedir que um crítico literário seja apenas crítico literário, é pedir muito num país tão pequeno (em todos os sentidos) como o nosso.
Não podemos esquecer, ainda, a vertente mercantil e economicista da questão, que muito poderá condicionar a imparcialidade de quem escreve. Assim, seria interessante um estudo que procurasse encontrar uma possível relação entre as críticas literárias feitas e os respectivos críticos literários que as escreveram, pois muitas vezes estes últimos estão associados a revistas e jornais que pertencem a grandes sociedades, que, por sua vez, são detentoras de parte das editoras que publicam os livros que os críticos literários “criticam”.
No entanto, também não podemos esquecer que a crítica – e nela incluída a literária – nunca foi muito bem vista no nosso país. A crítica literária – quando é a sério – nunca é vista como crítica: ou é ataque pessoal ou bajulação.
2.
Mas, qual o real impacto da crítica literária?
Penso que a crítica literária tem muito pouco impacto, pois poucos são aqueles que, realmente, lêem crítica literária. Ela poderá, uma ou outra vez, suscitar uma ou outra polémica, pois o visado pelo texto do crítico pode não apreciar muito aquilo que leu. É claro que isso acontece muito poucas vezes (pelo menos com o conhecimento geral do público).
Na realidade, o crítico literário tem algo que me atrevo a designar de poder-nulo, isto é, o crítico literário não tem qualquer poder sobre as reais decisões do leitor. O seu “poder” está limitado a um grupo restrito (muitas vezes composto por amigos ou conhecidos com quem se partilham afinidades), o que torna esse “poder” vazio de qualquer conteúdo. Se o “poder” do crítico literário fosse real, se tal acontecesse, os “tops” de vendas seriam compostos por livros completamente diferentes daqueles que encontramos numa qualquer livraria generalista.
Os livros mais vendidos não são aqueles que foram objecto de uma crítica literária positiva ou negativa (não podemos esquecer que uma crítica literária negativa pode gerar um aumento nas vendas de um livro), mas sim de uma campanha de marketing agressiva, com ofertas absurdas ao leitor. A crítica literária foi substituída por capas de livros vistosas, sinopses apelativas.
Actualmente, a “crítica literária” não tem qualquer valor intrínseco: antes extrínseco. Ela serve apenas para encher colunas de jornais e páginas de revistas com o pedantismo – e em certos casos com a ignorância – de alguns críticos ditos literários.
3.
Há, ainda, o relativo consenso em torno dos livros que são alvo de crítica literária. Parece que nenhum crítico literário quer ferir susceptibilidades. A título de exemplo – e falando do caso português –, os livros de António Lobo Antunes. Poucos são os críticos literários que “arriscam” uma crítica negativa a um livro de António Lobo Antunes. Recentemente, penso que só Pedro Mexia o fez. Alguém curioso pode verificar o que digo: basta numa livraria folhear, com alguma atenção, o livro António Lobo Antunes: A Crítica da Imprensa.
Outro caso paradigmático é o de Pedro Chagas Freitas. No caso deste autor a questão é ainda mais complexa: nenhum dos seus livros reúne o consenso da dita intelligentsia literária, no entanto, todos os seus livros têm reedições sucessivas, encontram-se em todo o lado, e é raro (ou até impossível) encontrar uma crítica na chamada imprensa generalizada (não deixa de ser curioso que o próprio autor já disso se queixou).
Atrevo-me a dizer que falta alguma “honestidade intelectual” (expressão que abomino, mas que, neste caso, tenho de utilizar) à crítica literária portuguesa. Novamente, e a título de exemplo, o livro 2666 de Roberto Bolaño. O consenso generalizado em torno desta obra de Bolaño roçou o ridículo. Num texto publicado a 31 de Outubro de 2009 (no blogue Antologia do Esquecimento), Henrique Manuel Bento Fialho dá conta da lamentável revisão a que o livro de Bolaño foi sujeito. Não me lembro de ler a nenhum crítico literário “encartado” uma referência em relação a isso. Muito pelo contrário. E, daí, talvez se entenda o silêncio.
4.
A bem da verdade, actualmente, a crítica literária em Portugal não existe, porque não é praticada. Falta-lhe algo fundamental: o contraditório.