Deirdre Bair: Parisian Lives: Samuel Beckett, Simone de Beauvoir and Me
/Um dos momentos mais tensos de Parisian Lives é também um dos seus momentos mais cómicos:
The most amazing thing happened today. I was sitting in the Dôme after SdB [Simone de Beauvoir] told me about Algren, trying to digest it, and I don’t know why, but I started thinking, what if SB [Samuel Beckett] should walk by just now? What would I do? And just then—he did!!! I almost fainted is what I did. And then I just sat there, unable to move and sure I was about to black out and cause a big scene. My heart was pounding as I watched him pause at the door and I held my breath but he didn’t come in and he didn’t see me. He walked on down the street. I was turned into stone. I couldn’t move.
Durante vários anos Deirdre Bair viajou e viveu entre Paris, o Connecticut e Filadélfia, escrevendo duas biografias que se tornaram dois estudos de referência acerca das vidas de Samuel Beckett e Simone de Beauvoir. A autora morreu no ano passado e Parisian Lives: Samuel Beckett, Simone de Beauvoir and Me é o seu último livro. Nele, Deirdre Bair regressa ao início da sua carreira e aos bastidores destas suas primeiras obras (Samuel Beckett, A Biography publicado em 1978 e Simone de Beauvoir: A Biography, em 1990).
A primeira frase de Parisian Lives é a primeira frase que Samuel Beckett diz a Deirdre Bair: “So you are the one who is going to reveal me for the charlatan that I am.” Muito de Parisian Lives é sobre a relação tensa e ambivalente que desde o primeiro minuto ela mantém com Beckett. Mas muito do que se lê nestas páginas é sobre o que significa ser um(a) escritor(a) no mundo real, com as dificuldades de todos os dias: a precariedade que é parte da trajectória de escrever um livro entre empregos académicos menores e muito mal pagos, com muito tempo perdido a escrever candidaturas a pequenas bolsas para financiar a investigação necessária e comissões de casas editoriais que são como esmolas, a culpa que advém das expectativas sociais que são criadas em redor do facto de que escrever não era o papel tradicional que se esperava de uma mulher casada e com dois filhos na década de ’70, as barreiras impostas pelo sexismo, frequentemente repugnante, de meios académicos, editoriais e literários, os desafios de gerir relações e expectativas dentro dos círculos próximos de dois autores profundamente mediáticos.
É possível que Parisian Lives se possa ler como uma espécie de nota ou adenda às duas biografias, também elas mediáticas (a biografia de Beckett, embora recebida com grande azedume em meios académicos e no círculo de Beckett, os Becketteers como Bair lhes chama, venceria o National Book Award) ou como um caderno onde o biógrafo vem meditar sobre a sua arte, expor os bastidores, frequentemente inóspitos, onde as biografias são escritas: Beckett que a princípio não a leva a sério, visitas de poetas irlandeses amigos deste que aparecem tarde e a más horas e com a família toda para passar longas temporadas em casa da autora, académicos respeitados que oferecem o “favor” de publicar os resultados das investigações de Bair em nome deles próprios ou momentos em cafés de Paris onde ela se senta em pânico a tentar anotar as conversas que tinha com Beckett, que nunca lhe permitiu tirar notas enquanto eles conversavam.
Se Beckett é profundamente esquivo e reservado, ao ponto de Bair nunca estabelecer uma relação próxima com ele, algo que ela de resto evita para não comprometer a objectividade necessária ao trabalho a que se propusera, como Beckett dizia, ele “would neither hinder nor help,” em parte porque a princípio não leva Bair a sério (sendo que, obviamente, a partir do momento em que a leva sério, frequentemente lhe dificulta a tarefa), a atitude de Simone de Beauvoir é a oposta, não só estabelecendo uma relação de grande proximidade, mas esperando, e rapidamente se desiludindo dessa ideia, que Bair escreva apenas o que ela lhe dita nas suas entrevistas.
Uma das melhores coisas acerca de Parisian Lives é que é um livro que documenta a evolução de uma escritora, as expectativas, as obsessões, os erros, os falsos começos e as muitas versões por que os livros passam até serem escritos. É também um livro sobre a determinação e a alegria de escrever. Outra coisa notável é a impecável ética de Bair, tanto a lidar com as suas fontes (a dado ponto ela explica que todas as informações que entraram na biografia de Beckett tinham de ser confirmadas por pelo menos três fontes diferentes, às vezes cinco) como com as pessoas que são próximas de Beckett e Beauvoir (a maior parte delas personalidades nada fáceis, uma excepção notável é a irmã de Simone de Beauvoir, a pintora Hélène de Beauvoir).
Há qualquer coisa de profundamente comovente no cuidado com que Bair recorda a sua história com estes dois gigantes da cultura contemporânea, retratados nos seus habitat parisienses, um pouco fora da carapaça dos mitos em redor deles, com uma objectividade que consegue descrevê-los a uma escala humana, com qualquer coisa de solene e cómico, na sua imensa importância mas também nas suas vulnerabilidades, e talvez – talvez – sem ponta de voyeurismo. Há um nível um pouco mais profundo em que Parisian Lives não é tanto um livro sobre a proximidade de Deirdre Bair de Samuel Beckett e Simone de Beauvoir, mas sobre a intimidade de uma escritora com os temas dos seus livros, sobre o cuidado com que um escritor precisa de se questionar a si próprio e definir o grau de objectividade que é necessário para essa delicada operação que é falar das vidas e obras de outros com justiça e acuidade.