Cinco anos após a extinção da lira
/o telejornal da noite anuncia a continuação dos conflitos étnico-religiosos na turquia
(coisa de criança que brincava de espingarda e quando cresce
não tem com o que brincar)
o repórter nem mesmo se exalta com o som de tanta bomba
para espanto da lembrança de quanto te conheci anos atrás
quando ainda não havia correria ou preocupações monetárias
mas mesmo que o dedo que puxa o gatilho esteja longe
assim como o cano da arma está longe
nada garante que nenhum dedo tenha ativado nenhum gatilho
disparado nenhum tiro contra o seu peito ou costas, o menino turco que se importava
com as mesmas coisas que se importam os rapazes menos fúteis das terras de cá
que já enfeitaram os meus dias em momentos menos arrastados
naquele tempo você dizia que a tela do computador era a nossa chance de risos
e a gente só dormia separado pelas horas
alegria era aprender a embolar a língua com palavras estranhas
pastorear bodes entre os prédios da cidade, conhecer canções que só tocam
no interior do pensamento do jornaleiro europeu
embora muito tenha mudado, eu ainda não sei pedalar
meu equilíbrio ainda não é dos melhores, as vontades estéticas ainda são as mesmas
mas eu queria saber de você
como vão as coisas por aí?
o medo ainda faz cordão de fitas em seu peito ou te causou maior mal?
ainda pareço um índio ou a sua melhor ideia de casamento?
sabe, já te descrevi em linhas como o sonho mais suado de um dia
o traço fundo na areia por onde a água do mar entra para invadir os castelos
você dizia que o seu país era triste
que não sabia o que era amor e que o amor às vezes apertava muito sem doer
será ainda?
por aqui o ventilador vai funcionando bem
eu lembro das suas reclamações sobre o calor
conheci um fotógrafo que me apresentou o livro das coisas absurdas
dos pés que fazem rufar tambores asiáticos
ele diz que tudo vira grama dourada sob o peso de um olhar feliz
ou de uma bola de canhão, o que no fim não importa já que é tudo uma coisa só
mas no fim do dia vez em quando ouço a água correr pela tubulação
e lembro o teu sorriso
ainda lembro o teu sorriso, aquele mesmo preso entre duas orelhas tímidas
do tempo em que estrelas siamesas ainda eram desconhecidas e chovia menos no verão
quando nenhuma criança se afogava em praias negras pelo sonho de viver em paz
sem mais i love yous
até hoje eu não esqueci que os leões são os que
mais sonham com libélulas
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