Dois poemas

lamento estival

há pó e bafio nas paredes do  
desabitado café onde  
ao balcão
um homem rumina sobre o whisky
o modo de estar só 

só audíveis o entrechocar do gelo
o televisor junto ao tecto

é noite andada nesta terra recuada
do interior
viajo com os pais e sou parte  
para harmonia familiar numa insofrível partida  

de snooker

lá fora através do janelão
o limoeiro ao vento a lua cheia derramando
(uma tacada distraída, fatal) quintal
onde cabe Agosto inteiro

o instante vem semelhar contentamento
ou um sentimento complexo

mas dizem-me que perdi que sobre o curso dos dias  
nem mesmo aquele quintal em Serpa
permanece

 

rua dos castanheiros

quando apenas entrados no resto dos dias
se apagarem as cores mais vivas
que ao menos permaneçam as muitas manhãs

do verão contendo a vida inteira

como num levedado La Fontaine procedemos
à fontanal recolha de indícios e vestígios
a crista do monte, a chuva na onda

arrumamos
versos compomos poemas na aguarda do verão

porquanto sob o sol anémico de Dezembro
os olhos lembram ainda a bola de fogo na ramagem
recortada

recorremos ao princípio azul
que sobre tanto frio todavia
ascende