Momentum
/I.
a chegada do interlúdio nocturno dispara na direcção de
um candeeiro intermitente à luz de todas as vezes.
- são instantes fotográficos
em que a espera medeia o que lhes cabe nas mãos, ou
nas lareiras dissipadas pelo ventre do consolo da noite
são muros que se inundam à primeira oportunidade de errar.
existe o salto e uma lebre espreitando na esquina
o torpor felino de um nome esquecido um
pássaro atordoado numa gaiola de estrelas.
a penumbra e a sombra quando chegam são remorsos de
dois corpos que saem de si e entram em si
trocando de lugar no olimpo terrestre, pintando através dos sentidos a
insígnia profana de existir. marginais
um velho cospe para o chão a doença antes da morte lado
a lado com eles, sulcos de uma solidão urgente.
- entre quatro paredes ninguém é feliz de pé.
os ossos são o que mais se gasta a seguir, a pele sucumbe à razão
de nenhuma sensibilidade dizível e o último despojar é a sorte largada
em cruz:
- enquanto o solstício não se anuncia,
chegar é a melhor forma de partir.
II.
quantos poemas pediste neste labirinto pombalino?
agora que nada tens, arrasa-te diante da folha amarelecida rasuras os cantos
com anotações minúsculas e riscas demasiadamente na vertical movendo a
cabeça como quem espera a aragem vinda de longínquos poentes.
a pergunta esmaga-te a gramática cardíaca e tu
já só consegues prosar uma mudez insuportável.
só o poema te conhece. só na poesia te reconheces.
afinal quantos poemas perdeste no engolir desta espiral
necessária?
o vício precisa-te. tu retribuis-lhe e o vício-versa
na varanda o ofício do
cansaço registava o começo
das manhãs.
a demência e o amor abrem-te por fim,
os seus caminhos nas tuas veias sujas
- alcatrão pó e promessas por cumprir –
e tu,
destituição de fome ou falta de agasalho
decides enfrentar o que te consola quando no
palco são já outros que te espiam a ti.