"O escudo de Aquiles" de W. H. Auden

Tradução de Tatiana Faia

Ela procurou por cima do ombro dele
     Pelas vinhas e oliveiras,
Pelas bem-governadas cidades de mármore,
     E naus em mares bravios,
Mas ali no metal reluzente
     As mãos dele puseram em vez disso
Um ermo artificial
     E um céu de chumbo. 

Uma planície sem feições, despojada e castanha,
     Nem uma folha de relva, nem um sinal de vizinhança,
Nada que comer e lugar nenhum onde sentar,
     Porém, congregada no vazio, permaneceu
Uma incompreensível multidão,
     Um milhão de olhos, um milhão de botas alinhadas,
Inexpressiva, à espera de um sinal. 

Do ar uma voz sem rosto
     Comprovou por estatísticas que alguma causa era a justa
Em tons tão secos e planos como o lugar:
     Ninguém foi aplaudido e nada se discutiu;
Coluna a coluna numa nuvem de pó
     Marcharam para longe sustentando uma certeza
Cuja lógica os trouxe, mais tarde noutro lugar, à tristeza. 

Ela procurou por cima do ombro dele
     Piedades rituais,
Vitelas coroadas de brancas grinaldas,
     Libação e sacrifício,
Mas ali no metal reluzente
     Onde devia ter ficado o altar,
Ela viu à luz trémula da forja dele
     Uma cena bem diferente.  

Arame farpado cercava um ponto arbitrário
     Onde oficiais entediados se recostavam (um fez uma piada)
E as sentinelas suavam, porque o dia era quente:
     Uma multidão de gente normal e decente
     Vigiava de fora e não se moveu nem falou
Enquanto três pálidas figuras foram trazidas adiante e amarradas
A três estacas enterradas ao alto no chão. 

A matéria e a majestade deste mundo, tudo
     Cujo peso conta e sempre pesa o mesmo,
Estava entregue às mãos de outros; eram pequenos eles
     E não esperavam ajuda nem ela veio:
     O que os seus inimigos gostavam de fazer foi feito, a sua vergonha
Era tudo o que os piores queriam; perderam o seu orgulho
E morreram como homens antes da morte dos seus corpos.

Ela procurou por cima do ombro dele
     Os atletas nos seus jogos
Homens e mulheres numa dança
     Movendo os doces membros
Rápido, mais rápido, à música,
     Mas ali no escudo reluzente
As suas mãos não puseram pista de dança nenhuma
     Mas um campo estrangulado de ervas-daninhas.

Um garoto esfarrapado, sem destino e só,
     Vagava naquele vácuo; um pássaro
Voou para o alto e escapou à sua pedrada certeira:
     Que violassem as raparigas, que dois rapazes apunhalassem um terceiro,
     Eram axiomas para ele, que nunca tinha ouvido falar
De mundo nenhum onde uma promessa se cumprisse
Ou em que alguém chorasse porque outro chorasse.   

O armeiro de finos lábios,
     Hefesto, coxeou para longe;
Tétis dos seios reluzentes
     Gritou de desespero
Ao ver o que o deus forjara
     Para agradar ao seu filho, o forte
o de coração de ferro o assassino de homens Aquiles
     Que não ia viver muito.

 

1952 (primeira reedição em 1955 em The Shield of Achilles)