Simi, 06/09/2024

Regresso a Simi

 

No alto do monte, uma fileira de moinhos

Cariados pelo desuso e o esquecimento,

Quase no topo a suposta tumba de um rei,

Ambos olhamos desta janela a bandeira

Dum pequeno barco de pesca

Enquanto ouvimos Luis Bacalov

Que dá ao ar a textura do fim de verão,

Há um ano escrevia um poema

Sobre a tumba desse rei e uma ovelha

Que jazia morta à sua sombra,

Hoje nos teus olhos vejo o movimento

Da pequena bandeira, de todas as bandeiras,

A passagem pelos astros, a nossa imensa

Insignificância capaz de ecoar numa amostra

De eternidade, nos teus olhos tudo

O que passou e passará, num silêncio

Puro, sem fronteiras ou língua.

 

Simi

05/09/2024

Regresso a Simi 2

 

Passando pouco mais de um ano,

O que resta do corpo da ovelha

À sombra do túmulo, é uma coluna

Branqueada pelo sol e a maresia,

O círculo de pedras bem encaixadas,

Continua o mesmo aos olhos pouco

Nítidos, uma ilusão de eternidade,

O reflexo destas pedras na frágil

Câmara escura de osso e sonho,

Mais abaixo ao sol, tropecei também

No seu crânio, quase num sobressalto,

Como quem num quarto escuro

Dá por si num espelho.

 

Simi

07/09/2024

Sonhos em Petricor

 

Nos sombrios retalhos dos sonhos,

Antes de umas tímidas gotas de chuva,

Logo se ergue uma vontade de pedra,

Os sonhos ficam vertidos na primeira luz

E as nuvens, sobre uma inquietação crónica,

Aguentam a pressão dos dias lentos,

Respira-se melhor com a carne entre os dentes,

Um aperto de desenrolar o coração

Num muscular esplendor, odiar nada

Mais que o tempo, que tudo traz

E tudo leva e atrás apenas, um eco

Em reflexo, nos limites de onde tudo é

E acaba, dos sonhos resta apenas o breve

Petricor, como uma promessa embriagada.

 

Simi

11/09/2024

Primeira Visita a Museu*

 

“para quê festas e grinaldas e canções e vinho

se os corpos envelhecem como as coisas”

Ruy Belo

 

Vês estas pedras brancas, meu amor,

Estes contornos humanos, uma quase carne

Fria e estática, as mãos que a esculpiram,

Há mais de dois mil anos que não são mãos,

O mundo era outro, a vida a mesma coisa,

Muitas vidas surgiram e passaram,

Que pedras tocará o teu corpo pequeno,

Que formas lhes darás, o que ficará de ti nelas,

Como nestas pedras, pelas quais tantas vidas

Passaram, enquanto estes corpos,

A mesma pele suave, um membro ou mais

A menos, a palidez que tomou conta da memória

E os teus olhos enormes olhando o seu silêncio,

Como se percebesses o mistério criador,

A ironia da vida que cria para a eternidade

E que não passa de um momento reflectido

Na forma de umas pedras tocadas pela paixão

De uma carne não muito diferente da tua.

 

* Ouvir “Padre Ramirez” de Ennio Morricone ao ler

 

 

Rodes

14/09/2024