Pedro Ludgero, Um pouco mais ou menos de serenidade

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 S.l., Edição de Autor, 2019

                                    A poesia é a vida exacta (a mesma forma, a mesma cor) (45)

  

Um pouco mais ou menos de serenidade, publicado em 2019 em edição de autor, reúne textos de Pedro Ludgero escritos entre 2004 e 2008. Unidade composta por 83 poemas de uma grande amplitude temática e experimentação formal: do poema visual de “poema com pés e cabeça” à experimentação gráfica de “prosa tintada”, em que algumas das palavras são destacadas a vermelho, o corpo de texto da poesia de Pedro Ludgero desestabiliza uma leitura linear do poema e potencia a expressividade do texto no cruzamento entre a dimensão verbal e visual. Contra uma leitura rápida, a leitura de um pouco mais ou menos de serenidade impõe uma desaceleração, ditada pela inovação formal, e pelo cuidado que é exigido à compartimentação dos textos numa espécie de etiquetas, dispostas no final da página. Os poemas aparecem assim como pertencentes a um ou mais grupos que os unem temática ou formalmente, como o grupo das artes poéticas, ou os grupos albas e micro-heteronímia. Organização formal que remete para a experiência do texto em linha, e para novas formas de leitura através dos blogues e das redes sociais. A desaceleração acontece também na captação da intensidade com que a linguagem é explorada,  (para além do português, línguas como o inglês, francês, o espanhol e ainda o alemão são usados), expressividade da língua potenciada pelo uso recorrente de neologismos criados a partir de vários recursos, como por exemplo: “um rio diospira-me” (23), “o leitor tem de adorme-ler” (27) “Preia-pássaro” (23), ou a partição no interior da própria palavra: “a-paguem” (24), “inteira-mente” que pede uma leitura lenta,  intensificando o poder sugestivo e expressivo da palavra. Em Um pouco mais ou menos de serenidade o neologismo chega a ser criado com recurso ao uso de diferentes línguas, como por exemplo “offacordo /offortograf” (24) e é destacado como processo na própria reflexão do texto: “que só amo a alegria como neologia” (25).  O poder expressivo da pontuação é também amplamente explorado enquanto recursos gráficos e visuais que determinam a mancha e o corpo textual, tal é o caso do poema “Voyager golden record” (26). A amplitude de vocabulário da poesia de Pedro Ludgero reflete o uso de diferentes registos de linguagens, do mais popular ao mais erudito, servindo-se muitas vezes do trocadilho e do jogo de palavras: “amorosa morosa” (28), “gravidez gravidade”, “sobre a peça do ego / sobre uma peça de lego” (60), “ser de cedilha” e usando de expressões provenientes do mundo do cinema e da música, áreas da formação e atividade profissional do autor, como no poema “Director’s cut”: “I have a plan / (be) / to clean a river: / CUT TO THE BEAUTY” (25), ou no poema inicial “Agitato”, “hino da alegria”, “Lullaby” ou “unplugged”, presente em expressões como “capriccio e adaggio”. Do mundo da música podia ser retido um fazer poético que se interessa por diferentes movimentos –, com uma atenção cuidada ao ritmo e à valorização fono-simbólica da palavra, trabalhada aqui no contacto com diferentes camadas expressivas o visual, o som, o sentido, no diálogo com a arte e no compromisso com uma ampla expressividade da língua, unidade poética que confere ao humor uma dimensão dignificante, como na proposta: “Experimente dizer / ssôôoól” (70), que pede uma experiência de estranhamento da palavra, contínua e reforçada ao longo desta unidade, há um olhar sobre a linguagem que remete para o olhar da criança, a poesia de “um pouco mais ou menos de serenidade” parte da perspetiva de uma desautomatização de um estado adulto e adulterado da linguagem, propondo uma linguagem em transmutação, correspondente a uma realidade complexa que não pode ser limitada por estruturas acabadas. A complexidade do texto de Pedro Ludgero é manifestada através do humor de uma forma desmistificada que faz lembrar por vezes a expressão usada por Alexandre O’Neill de desimportantizar usada em Entre a cortina e a Vidraça (1972): “Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros.” (7). Há na poesia de Pedro Ludgero uma ideia de alívio que parte também desta proposta, a profundidade desta unidade parte também de um contacto com a ideia de sublime, (palavra que serve uma das etiquetas pelas quais os textos se organizam), mas que se afirma definitivamente como um sublime humanizado, entre coisas humanas, um sublime precário e perecível, à nossa escala, que não deixa, no entanto, de ser continuamente redefinida. O gesto de desimportantizar é vital aqui, na resistência a uma solenidade que pode ser artificial e desumana, afastada definitivamente de nós, a poesia de Pedro Ludgero reivindica um exercício de aproximação e de adentramento, um apelo à presença das coisas.  Um “tirar o ombro da ombreira” para partir “ombro a ombro” numa viagem intensa esta transparência parte de propostas múltiplas, concretas, definidas, feitas de encontros humanos, propostas como esta: “por favor não faça batota / não perca o porte nem o passaporte” (74), que partem de um contacto e de uma quebra da idealidade num livro singular de uma voz autenticamente própria e única na nova poesia portuguesa.

 

Nuno Brito, 16 de Dezembro de 2020.

Gilgámesh, Enkídu (dois poemas do novo livro de João Gabriel Madeira Pontes)

Gilgámesh

Os bichos fogem à distância

Não nasci do silêncio
nas estepes ou da argila morna
da Mesopotâmia

A água não alegra os meus sentidos
mas o pão, a cerveja e esta cidade

que alguém lhe trouxe da feira
depois de apostar todo o salário na loteria

e perder a quina premiada.


Enkídu

 Há quem duvide disto

mas a criação da humanidade
não pode ser mero fragmento
na epopeia particular do herói

não importa qual herói
não importa qual humanidade

De toda maneira
dramas, façanhas e fiascos
quase sempre se acabam
em palavras estéreis

que devem ser batidas no liquidificador
com um toque de lima-da-pérsia
e uma pitada trágica de benzedrina

Os salões dos museus
também são alternativas viáveis

Destinado a ser o orgulho da Suécia
na guerra contra a Polônia
o navio Vasa afundou
em sua viagem de estreia

Hoje não passa de quinquilharia colossal
em algum museu de Estocolmo

Diz uma de suas biografias que, em visita
à capital sueca, Wisława Szymborska
comentou, referindo-se ao Vasa:

“É muito lindo quando, depois
de um conflito bélico entre nações, resta
apenas uma exposição num museu.”

Anos antes, os futuristas
clamaram por heróis
que glorificassem a guerra
e destruíssem os museus

Para eles, não eram simples palavras.

João Gabriel Madeira Pontes, Manobra de Heimlich, 7 letras, 2021

Make Holywell great again [um poema do novo livro de José Pedro Moreira]

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para Shirley e Gordon Clark

 

1

quando terminou
a peça de Clara Schumann
e depois dos aplausos
o pianista se levantou
para apresentar a obra
de uma jovem compositora
Natalie Klouda
(n. 1984)
Mrs. Regan
agora convertida
em futura viúva
de um matemático britânico
não conteve
a sua indignação
e abandonou a sala em protesto
contra o progressivo aviltamento
dos padrões artísticos
da Holywell Music Room
a mais antiga
sala de concertos
da Europa
espalhando
à sua passagem
a redolência violenta que leva
alguns de nós
a evitar
o lado este da sala

 

2

o que me trouxe à memória
o dia
em que pela primeira vez ouvi
os Carducci Quartet
tocarem
o Oitavo Quarteto de Cordas
de Shostakovitch

Mrs. Reagan
alardeava triunfante
um cachecol vermelho
ainda mais nauseabundo

insuportável
aquele Shostakovitch
porque é que ele não se matou logo
e nos poupou o sofrimento?
mas o Beethoven que tocaram a seguir
era muito agradável

 

3

debatendo-se com os sintomas iniciais
de esclerose lateral amiotrófica
forçado a tornar-se membro
do Partido Comunista
Shostakovitch
fechou-se num apartamento em Dresden
e no espaço de três dias
12 a 14 de Julho de 1960
compôs
o que ele julgara ser
uma nota de despedida
um epitáfio que fala
da alegria de noivos
suados e exaustos
mas por fim reunidos
na conclusão
da mitzvah tantz
de aventureiros de mascarilha
em arriscadas cavalgadas nocturnas
por entre bosques românticos
da mão do assassino
seca e tremente
cada vez mais incapaz
de tocar o piano

no centro está
um homem sozinho
fechado numa casa
a chorar
a sua miséria

lá fora
chovem bombas

quando as iluminações cessarem
da cidade
restará apenas
a linha do violoncelo

 

 4

a saída é sempre penosa
anciãos venerandos
recusam deixar o assento
arrastam os pés em protesto
adiando o mais possível
pagar o preço
que a cidade impõe
aos que se refugiam
na terra da música

se um dia houver um fogo
morremos aqui todos
diz-me o Professor Clark
e sorri
um homem sábio
sabe
como negociar
as pequenas derrotas
como quando
teve de correr pelas ruas de Tóquio
em fuga
de um grupo de bacantes
em frenesim
por o terem confundido
com Harrison Ford

chegados por fim à rua
a Shirley abraça-nos
até para a semana meus queridos

e de cada vez
nos sentimos
um pouco menos estrangeiros

José Pedro Moreira, Por favor não dê de comer aos unicórnios, não edições, Junho de 2021

Sobre o autor

Nasceu em Lisboa, em 1983.

Vive em Oxford.

Publicou traduções do 'Agamémnon' de Ésquilo (Artefacto Edições, 2012) e de Catulo (juntamente com André Simões, Livros Cotovia, 2012). Em 2020 foi publicada a sua tradução dos 'Hinos Homéricos' (juntamente com Tatiana Faia e Miguel Monteiro).

É um dos fundadores e editores da Enfermaria 6 (www.enfermaria6.com).

Em 2018 publicou o seu primeiro livro de poesia, 'Gatos no Quintal'. O seu segundo livro, 'Porque canta um pequeno coração', seria publicado na Colecção Mutatis-mutandis da não (edições) em 2019.

Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa Escolha e apresentação de Rosa Maria Martelo Porto: Assírio & Alvim, 2020.

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E talvez assim se tenha tornado esse rio subterrâneo que corre na literatura portuguesa, com a sua aluvião de melancolia e música. Podem tentar abafá-lo com acordos ortográficos, políticas educativas, poemas de festival ou de carreira, mas felizmente é muito difícil calar um rio. E o marulhar do seu caudal continua a pressentir-se noutros tempos, noutras vozes.

Inês Dias.

 

“Na poesia, / natureza variável / das palavras, / nada se perde / ou cria, / tudo se transforma: / cada poema, / no seu perfil / incerto / e caligráfico, / já sonha /outra forma.” (OLIVEIRA, 2011, p. 27): O poema “Lavoisier” de Carlos de Oliveira, poeta particularmente querido a Rosa Maria Martelo, poderia ser também um ponto de partida para esta antologia poética. Antologia Dialogante da poesia portuguesa reúne 102 poemas de 44 poetas cujos textos são ordenados numa sequência cronológica que convoca nove séculos de escrita, de Martin Codax a Golgona Anghel, esta antologia mostra-nos um diálogo vivo, ininterrupto e plural: “Podemos pensar a história da poesia, da arte, como um extenso diálogo? Podemos entender a experiência da leitura como um vínculo intersubjectivo, uma forma mediada de amizade? E poderemos entender a escrita como uma prática imergente deste tipo de leitura?” (2020, p. 10) A pergunta de Rosa Maria Martelo encontra também um eco e vibração próximos em algo que a poeta Inês Dias afirma na antologia Refracções Camonianas em poetas do século XXI[1]: “Ninguém existe sozinho, nem escreve sozinho. Existimos e escrevemos com outros vivos, mas também com outros mortos, pois mortos e vivos constituem o mesmo pó, uns e outros, como nos lembra Padre António Vieira num dos seus sermões. É uma corrente de luz, esta, passada de mão em mão – e, se os ossos se tornarão impreterivelmente cinza, o fogo permanecerá”. É uma questão de atenção ativa a esse fogo impessoal que a Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa celebra enquanto contacto e assonância de diferentes vozes. Enquanto criação do texto através da releitura, da reescrita, da homenagem e da correção. Fazem por isso todo o sentido as palavras de Manuel António Pina que Rosa Maria Martelo recolhe na sua apresentação: “Isto está cheio de gente / falando ao mesmo tempo / e alguma coisa está fora disto falando disto / e tudo é sabido em algum lugar”. (2020, p. 8) Contra o fundo do diálogo, da gente falando ao mesmo tempo, contra o fundo do ruído, interessa reter um fio de diálogo vivo, uma corrente de luz, uma incorporação que nos faz crescer conjuntamente e concretamente (algo que não se apaga). Só esse diálogo fica naquilo que tem de impessoal e coletivo. Outra vez em contacto com Carlos de Oliveira um poema não para de nascer e de se transformar, e nisso a voz torna-se plural e só podemos falar verdadeiramente também com a voz dos que nos antecederam. A atenção a esse diálogo vivo faz de Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa um texto central para aprofundar as relações intertextuais da poesia portuguesa  e para perceber o seu contacto com a tradição, diálogo que se faz de rupturas e  de continuidades, cada texto como uma homenagem hipertextual a outros textos sem os quais não poderia existir, uma homenagem dinâmica, transformadora em que a leitura implica uma releitura e reescrita, e nisso é de vital importância o sentido de uma leitura viva que Rosa Maria Martelo privilegia: na sua origem, a palavra legere possuía a conotação de escolher (eleger), nesse sentido ler é para o conjunto dos poetas representados um processo ativo, de escolha em que leitura é acima de tudo um processo ativo e vigilante, de reescrita, em que a polaridade leitura/escrita perde os seus contornos para se manifestar como parte de um processo criador e unitário de transformação e revitalização da linguagem. Em Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa, Rosa Maria Martelo mostra um olhar atento, empático e original a esse diálogo, feito de nuances, linhas que se cruzam, aderências, e iluminações de um contacto textual que é também um contacto físico, o sonho da palavra como parte do tecido do mundo.

Iluminar esse diálogo torna-se assim vital, o exercício proposto é por isso de uma iluminação que pede que paremos e consideremos cada um desses vínculos que se põem em evidência e os vejamos como parte de um processo dinâmico, continuo indissociável da procura de novas formas, um ato que nos faz crescer. De uma outra forma Elias Canetti nos afirmaria que “o poeta é o guardador de uma metamorfose” (CANETTI, 1979, p. 241). Mostrar como o poema sonha já com outra forma, também ela física, é parte inerente da natureza deste livro, que nos mostra a importância de ler como um processo de escolha, uma forma múltipla geradora de empatia e uniões, cabe-nos pensar nesse fio, segurar um pouco nele, e lê-lo devagar é uma forma de homenagem e por isso uma forma de bendição.

 

Referências Bibliográficas:

 

CANETTI, Elias. The conscience of words. New York: The Seabury Press, 1979.

MARTELO, Rosa Maria. Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa. Porto: Assírio & Alvim, Documenta, 2020.

OLIVEIRA, Carlos de. Trabalho Poético. Porto: Assírio & Alvim, 2011.

DIAS, Inês. em Refracções camonianas em poetas do século XXI. Coimbra: Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, 2021. [Em fase de publicação].


[1] Texto em fase de publicação, organizado pelo Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos da Universidade de Coimbra.

3 Poemas de _pescoço x sobreviventes de Carla Diacov, Garupa Edições, 2021

Whatever it is, the way you tell your story online can make all the difference.

Whatever it is, the way you tell your story online can make all the difference.

x

sobreviventes deitados trocam
figurinhas repetidas
experiências amorosas repetidas
de bruços trocam
feito meninos que tocam trocar
sorrisos enigmáticos repetidos
trocam até cascalhos repetidos
balançam os calcanhares no ar repetido e trocam
viram as barriguinhas para o céu 
trocam o curso das nuvens repetidas
trocam andorinhas repetidas
repetem TROCO NÃO TROCO TROCO
trocam as pernas de lugar
trocam o lugar de estado
os joelhos com os joelhos dos joelhos mais jovens
o de joelhos tortos repetidos
trocam hálitos repetidos
trocam ar
sobreviventes trocam tudo
apontam calor nós nos cabelos
trocam fluidos inevitáveis repetidos
furos de guerras ecoadas
trocam repetida a terra de lugar
dormem com raízes parecidas a joelhos
sobreviventes dormem repetidos
de repetidas mãos dadas a sonhar
incertas repetições mais 
exatos epílogos mais 



:

não me sinto tão 
bem nunca me senti tão capada
não tenho a memória de estar
vibrante "As they say on my own Cape Cod"
sinto que deveria ter me dedicado ao
arco e flecha como dediquei o pescoço
à leitura de teorias UFO
acordo com essa pança cheia de melancolia
olho minha mãe me olhando 
minha cachorrinha me olha olhando minha mãe triste
já fui pega olhando uma lata
de molho de tomates no lugar errado
o rapaz me pegou pela mão perguntou meu nome
perdida mora por perto está sozinha
entre ervilhas eu disse
o molho entre ervilhas
comprei caqui mole e bistecas de porco
comprei a serralheria dos ouvidos açougueiros
nunca me senti tão amputada
o caminho me levou até minha mãe
minha cachorrinha olhando minha mãe triste me olhando morta
acho que seu pai tinha isso que você tem
e isso veio da conversa com a psiquiatra
isso não tinha CID e eu tenho pensamentos mágicos
trocamos a cidade a psiquiatra
me sinto bem pior
agora que sei ser vibrante com a não compreensão
do tigre CONVIVER
sei e posso e alcanço falar sobre minhas deficiências
sobre meus distúrbios
e isso assusta muito quem não me vê babando
errando as pernas letras assusta não conhecer
devo ser mesmo esse caqui mole olhando
a lata errada nos mercados
carla
ninguém fala moléstia no poema
carla é só uma lata fora do lugar
carla
"As they say on my own Cape Cod"
a vida é bonita e cheia de coelhos com trevos entre os dentes
o rapaz mais famoso da minha estante
me puxa pelos cabelos
perdida mora por perto está sozinha
uma lata errada
"a loucura é portátil"


é claro que a lata não é errada
carla e a lata
"As they say on my own Cape Cod…
partners in prosperity."



:

tenho uma memória inquieta
tenho um pescoço de criança
conforto em lã com cheiro de avô
lavanda
canela com leite morno
nada mau
diriam 
para uma casa abandonada
nada mau
dizem 
nada nada mau
comenta quem acabará por morder meu pescocinho mofo