fibrinas sangue plaquetas
tudo duro num tipo de âmbar em processo
de fossilização de uma dor a casca da
ferida - e quase escrevo casa da ferida - não
é a ferida tampouco é a memória da ferida
é o corpo num gesto bruto e lento na busca pela
distância da memória celular do tombo
é também a casca da ferida um escudo - e
quase escrevo estupro - você não me conhece
você nunca me viu nunca assoprou
uma ferida minha no entanto temos
tanto em comum fibrinas sangue
plaquetas - e quase escrevo punhetas -
aos sete caí de de uma árvore muito
muito amável sobrevivi apesar do
pouco corpo que ficou grudado no
cimento - e quase escrevo ciumento
=//=
existe
portanto na fotografia
não para todos
a lembrança do momento fotografado
e a lembrança dos momentos que antecederam
a imagem
raramente uma das
personagens toca o momento
posterior e é tão natural e difícil para uns quanto
o ponto do espaguete
posteriormente ao momento fixado no tempo
está o grande samurai da questão
e ele traz enrolada na espada uma
enorme lista de endereços
e nomes
=//=
não me lembro exatamente
quando me apaixonei por você
são tantos paralelepípedos até aqui e em
tão poucos toques palavras interruptores
sei que naquela tarde você disse
algo sobre uma espécie de lagarto
que grita enquanto come arregalou os
olhos pra falar em tom bestial
ENQUANTO COME
arregalei os olhos atrás do
cardápio do boteco não me sentia
pronta para demonstrar reflexão
pedimos sopa húngara e aqueles pãezinhos
estranhos do cozinheiro lucas
tomava minha sangria como uma criança
e você ainda em dúvida sobre o que beber
roubou um trago do meu copo
as sopas chegaram com os pãezinhos
estranhos do cozinheiro lucas
simulamos um encontro acidental de
dedos na cesta de pães e você cantou
baixinho um pedaço de unchained melody
VOU TOMAR COCA-COLA saiu da
mesa foi até o balcão passou na cozinha
falou com lucas que acenou pra mim
foi tudo tão rápido pagamos a conta
acho que você arrotou adeus, lucas
você me deixou em casa e tenho a
forte sensação de ainda estar atrás do
cardápio completamente absorta com
a história do lagarto
adeus, lucas, adeus
=//=
um pequeno golem
pensar que é possível sim construir
alguém partindo das memórias incorruptíveis
de um objeto de estima
a última xícara de um jogo de chá que
ganhei de uma amiga distante
você suas delicadas linhas
douradas suas flores azuis na barriga você
seu vazio empoeirado seu jeito de acolher você
folhas de hortelã suas falhas nas flores de trás
sua orelha enorme você num gancho
enferrujado pregado na figueira invertida
meu pulmão esquerdo