PEDRA
O poeta sub 50
escreve piadas.
E se tiver sorte
se for atingido pela
dor morte
desengano
chegará aos
51 e
lavrar-se-á
uma poesia
como um traço violento
de arado sobre
o coração
uma
espécie de porta
como a do paraíso
derretendo
após doze
badaladas.
O poeta sub
50
não passa de
uma
tentativa
de negar a
velhice e a morte
o lado não
intenso da
vida
Se a nova
poesia
chegar
(A Poesia)
o corpo
ficcional mais
perdido
terá encontrado
o esgoto
necessário à
expulsão intestinal
da fria dor.
Ou talvez
exposta a costela
da poesia mais
crua
possa o poeta
destilar
finalmente em
dor a dor
transpondo-a para
os patamares a que
esta mão ainda
não consegue
prever
ou se prevê
não vê com
claridade
tão longínquo
ponto.
A não destilação
da dor
poderá ser
vista como
uma enorme falha
uma apoética falha
uma que
revele a confirmação
da pobreza final
deste poeta que
terá assumido
finalmente
a sua
morte.
Mas
a não destilação
líquida do
poeta presente
pode
ser uma salvação
possível para o
homem que escreve
uma descarga do
peso que lhe cai
sobre os ombros.
E assim naquilo
que haverá de mais errado
afinal será
talvez apenas
a libertação sem
destilação da dor
uma destilação sem o
suporte da pedra
que lentamente
se esvai
pelo sopro
da vida.
Onde uns verão
a falha
(uma falha anunciada)
o presente poeta
terá encontrado em vida
a libertação do peso
e assim da
responsabilidade de ser
alguém que dita e
sacrifica em prol de uma
manada sem
salvação.
Ninguém
nem mesmo esta mão que escreve
deseja transportar
tão pesada
culpa e tão
pesada
pedra.
OU MUITO ME ENGANO…
Ou muito me engano
ou não me verão vestido de branco
na festa de branco do verão
na romaria na missa do domingo (a não ser a do galo)
na procissão do Santo Senhor (nada tenho contra o Senhor)
no Coliseu vestido de fraque na confederação aristocrática e
decadente do salão nobre
na varanda da Câmara Municipal em linha para ver o trote.
Não não me encontrarão aí
porque por aí nunca estive ou quis estar.
Bastou-me algumas missas onde fui contrariado e onde cedo percebi
que as palavras de Deus não coincidem com as palavras das
beatas dos padres e dos padrecos.
Se o mar estiver bravo
como assim espero
estarei algures sobre a pedra mais alta a ver
o silêncio e o mar coexistirem no jogo dos laços
desenlaçados e em enrolamento.
Estarei sim pelos corredores e paredes de
alguma antiga ou nova biblioteca visitando os
meus compatriotas ratos roendo e digerindo
aquilo que ainda existe (se ainda existir) pelas estantes.
Mas se me encontrarem em tudo aquilo que
procuro não estar então terei dado à vida a derradeira hipótese
a hipótese sem muros paredes e sombras
onde apenas existirá a mão o toque o outro.
Terei assim lançado às ortigas (para alívio de muitos) esta nobre tentativa
de fazer poesia com as minhas mãos de fraco barro.
A DINASTIA
ao Leonardo Sousa
Carlos Da Costa Gabriel é o nosso mais
recente Prémio Camões e Pessoa. Dois
em um! Esta é a GRANDE literatura!
Carlos Da Costa Gabriel é como todo
o português sabe neto pelo lado materno
de Dona Glória que era filha adotiva
e esquecida do grande escritor Camilo.
Glória era uma filha ilegítima que o
notabilíssimo historiador de genealogias
José de Arruda Sousa veio a descobrir.
Pelo lado do pai tinha costela de Júlio
Dinis que segundo genealogias do
século XIX remontava já a Camões.
E como toda a gente sabe o nosso
ilustre Camões tinha uma costela de
Virgílio uma de Jesus e outra de Adão.
O prémio Camões e Pessoa atribuídos
este ano em simultâneo ao mesmo autor
o ilustre Carlos Da Costa Gabriel são a prova
da nossa distinta nobre e altiva literatura.
Carlos Da Costa Gabriel não só é um
grande e extraordinário escritor como
também faz poemas sobre o sangue de
Cristo e o manto da virgem que segundo
investigação exaustiva de Carlos Da Costa
Gabriel era rosa e não branco ou azul.
A nossa literatura está hoje de parabéns
um ano memorável para o nosso pobre
e bafiento espaço literário. O vencedor
Da Costa Gabriel está como todos sabemos
para lá de morto mas é de louvar o alto e
nobilíssimo sacrifício de tentar estar vivo!
TRÊS ZABELAS E UM POLÍCIA
Às 7 e 15 da manhã
há demasiada luz e três
morcegos voam em voo
raso pelo chão.
Com o suor no rego e as pernas
cansadas de pular naquele longínqua
música das Américas
cantada por homens de peruca e com
olhos pintados
(onde já se viu tal cousa, sinhor?)
navegam à deriva pela pequena
cidade da ilha que dorme.
Trazem o cansaço da noite
o riso entre os dentes
e seis ou oito vodkas no
estômago vazio.
Pedro só gosta de homens sem barriga
sem pelos no peito nas pernas e no rabo
(do rabo nunca sabe muito bem o que fazer!)
Gosta de sentir-se picado ou imaginar-se
numa pista de gelo onde possa deslizar.
Quanto mais músculos tiverem melhor!
Rui prefere homens gordinhos e com
muito pelo no peito nas pernas e no rabo
(sabe muito bem o que fazer com ele!)
O que condiz com a sua personalidade prestável
de boa pessoa e amante de toucinho.
Quanto mais pelos tiverem melhor!
James é dos três o mais velho e escandaloso
nasceu de pais emigrados em Boston em 1970 e
gosta de homens ponto. Não está para perder tempo e
o que vier à rede é peixe e peixe é como bem sabemos
tão bom como a carne.
Quanto mais práticos forem melhor!
Olha ali Rui como tu gostas
um mendigo deitado no degrau do Banco de Portugal e
com a barriga a dizer-te Anda cá!
Tu és veneno, milheri. Pedro de pedra! Se ao menos
estivesse lavadinho eu fazia o esforço ai se fazia!
Bom dia Senhor guarda já ao serviço
tão cedo tão trabalhador!
Bom dia James tem de ser!
De onde conheces o polícia minha cabra?
isso agora não interessa. Ele nem é gay!
E caindo de riso para o chão
Pedro e Rui disseram
a gente sabe filha
os ativos cá da ilha
nunca são paneleiros!
*Zabelas = maricas, paneleiros
Na Puli e Biêr
Ah eu conhece-te Não eras
aquele que trabalhava na Puli e Biêr
lá na cidade?
Tão perfêtch já viram?
É assim musme
mê rique home Deus te abençoe
abençoado
vens pra cá de vez? Fazes tu muito
bem! Deus te ajude sagrado!
Vens para cá e num instante
arranjas uma cadela
elas não faltam por aí
meu rique home.
No meu tempo eu era arisca
mas elas agora…
É josefina tá calada praí
isto não é pró teu bico
não vês que ele tem estudexs
já estás aí toda empruada!
Já viram tão perfêtch
ele era tão pequenino um petcheno
da última vez que o vi
já lá vai anos anos e anos.
Tão prefêtch!
*Conhece-te=conheço-te; prefêtch= perfeito, bonito; petcheno =criança, pequeno, etc, etc…
FALSOS MÁRMORES
Pedro Aristides de Sousa C. viera
dos arredores de Évora para terminar
os acabamentos da igreja Matriz.
Foi recebido com banda de música
vinho de cheiro chouriço mouro
e favas de molho. Nunca se viu
um pintor cá na vila e depois de
pintado o teto principal foi a altura
de passar para as diversas paredes.
Foi preciso ir buscar um pintor a
Lisboa para fazer aquilo? Ele é de Évora!
Mais valia ter pintado tudo de branco.
Davam-me um garrafão de vinho de cheiro
e eu mesmo pintava aquilo num serão.
Home não vês que aquilo é para imitar
os mármores de Roma achas que o nosso
padre tem dinheiro para comprar mármores
verdadeiros! Tem mas é juízo. Tudo se
amanha nesta terra.
MULHERES DA VILA
Os degraus da Matriz
escovados com esfregona
e vassoura de cabo de madeira
tiveram a força e o suor
destas mulheres que se odeiam
entre si.
Maria lá no alto do altar
é chamada em pensamentos
por umas e por outras
Aquela Vargalha! Aquela puta
que meteu os cornos ao marido!
Aquela tonta sempre de saias curtas!
Aquela atoleimada! Aquela seca!
E Maria com paciência ouve todos os
queixumes intrigas e invejas.
Os dias de limpeza antes da festa
são sempre muito animados cá na igreja
é a altura em que a igreja deixa de
ser igreja e passa a ringue de
farpas entre as mulheres da vila.
A festa ainda tarde
há muito que fazer até ao fim do dia
por isso todas se apressam a mostrar
quem é a mais trabalhadora.
Não vá o senhor padre esquecer de pagar os
cinco contos pela semana. Tenho bocas lá em casa!
Há que retirar a verdura dos 100
degraus de basalto negro à entrada da igreja
acumulados no último inverno.
Pior foram os degraus de madeira
do altar-mor
foi preciso muita coragem
três ave marias e a proeza de
não derrubar a virgem para o chão.
Caído o sol além do horizonte
a mulher do sacristão deu o rebate do
fim de todos os trabalhos
Está tudo limpinho ficou um primor
agora é esperar pelo zabela para vir
enfeitar com flores a igreja
aquele porra!
Maria ouvindo do altar o toque
do rebate começou a rir
sabe muito bem que o florista
é o zabela preferido do Sacristão.
VIVER SOB O MEDO
ATÉ QUE NADA EXISTA
Nunca tive perfil ou tendência
sonho ou ambição para ser
líder de porra nenhuma!
Mas é tempo de agir!
Isto não é um poema e
se o for é raiva em pura
pena vermelha que grita!
Por favor calem-me este poeta
amordacem-lhe as mãos
dupliquem-lhe o preço do papel
e a tinta da natureza
tapam-lhe os olhos e os ouvidos
queimam-no na fogueira.
Isto não é um poema é o
grito desta página de papel
desperdiçada para dizer aquilo
que ninguém quer ou deseja ver
a separação o muro o arame
que se erguem lentamente e
renovadamente entre os homens
em vossas mãos indiferentes.
Queimem por favor este poema
matem por favor este poeta
apaguem essa memória aflita que
aqui persiste e insiste na esperança
da vã mudança.