[entrega-me o mar]
/entrega-me o mar
como se a boca
fosse um cântaro
com as asas arqueadas
sobre a fala
e como se os rios
desaguados nos olhos
fossem lagos
inábeis para entender
a rota da sede
entrega-me o mar
e voa
somos o púlsar das aves/ a rocha linguística/
toda potencia calquera virtualidade/ unha exposición infinita/
un infinito de dor// non cruzamos correspondencias
Chus Pato, Sonora
entrega-me o mar
como se a boca
fosse um cântaro
com as asas arqueadas
sobre a fala
e como se os rios
desaguados nos olhos
fossem lagos
inábeis para entender
a rota da sede
entrega-me o mar
e voa
Cheiro a maldade no ar como se
fosse um outro gás tão real
como a hipótese de ser eu a
fazer as coisas malvadas deste lugar
- Não pode ser no avesso o odor
fruste dos sebastianistas que
vão caindo nas valas da cidade?
Mas como poderia tal estar numa
mistura com a própria maldade
com a presença incolor de uma praga
pesada e escancaradamente humana?
Essa confusão vem do ardil
que sempre preparaste ao sonho
ao novo sol que acorda trazendo a
pureza de um perfume fresco e brando
que limpe toda a cúpula da cidade
Subsisto-me nesta possibilidade
nova da linha que termina o céu
ainda que me entupa sempre as
narinas o infausto tempo presente
De que servem
os ramos de manjericão que crescem à janela
o fôlego depois do beijo
a carne de rã sobre a pia
este sexto dedo?
a Ricardo Reis
Mestre
quando a guerra terminar
farei um abrigo de rosas brancas
e lá nos encontraremos
e olharemos o futuro
em que juntos traremos o rio nos olhos
e conforme dizias
deixaremos que o dia passe leve
e sem pesar
entregando a agonia aos deuses
nossos cuidadores incautos
e ausentes de qualquer enleio
falaremos do exílio na pátria
que não no Olimpo
e soltaremos cada hora
roubada ao nosso momento
quando o dia acabar
e o abrigo de rosas secar
cada um de nós partirá
tranquilo
para o seu jardim indefeso
porque
as nossas mãos continuarão vazias
e os nossos sonhos
esses
estarão guardados no intervalo do tempo
Vocês pensam que é fácil esta merda?
há muitas pessoas como esta neste
bairro muitos homens como este
o casaco verde ruço trepa pelas
costas quando o resto do corpo se
recolhe sobre a mesa para poisar
o copo servido de vinho tinto
ralha mais alguma coisa sem jeito
uma frase trivial e desbotada
ainda um som qualquer que vai
sem esperar grande conversa mais
como um ronco em que adivinho:
vejam saí de casa abri a porta e
desci mesmo aquelas escadas
tirou a boina acendeu um cigarro
a que vida estarei assistindo?
a soleira do café deste bairro
parece-me um palco digno como os
que têm os teatros de Lisboa mas falta
à cadeira malfeita onde me equilibro
a pompa dos assentos forrados
daquele vaidoso veludo vermelho
a que vida estarei assistindo e
quanto tempo ainda durará?
Livros, filmes, ideias.