[entrega-me o mar]
/entrega-me o mar
como se a boca
fosse um cântaro
com as asas arqueadas
sobre a fala
e como se os rios
desaguados nos olhos
fossem lagos
inábeis para entender
a rota da sede
entrega-me o mar
e voa
somos o púlsar das aves/ a rocha linguística/
toda potencia calquera virtualidade/ unha exposición infinita/
un infinito de dor// non cruzamos correspondencias
Chus Pato, Sonora
entrega-me o mar
como se a boca
fosse um cântaro
com as asas arqueadas
sobre a fala
e como se os rios
desaguados nos olhos
fossem lagos
inábeis para entender
a rota da sede
entrega-me o mar
e voa
a Ricardo Reis
Mestre
quando a guerra terminar
farei um abrigo de rosas brancas
e lá nos encontraremos
e olharemos o futuro
em que juntos traremos o rio nos olhos
e conforme dizias
deixaremos que o dia passe leve
e sem pesar
entregando a agonia aos deuses
nossos cuidadores incautos
e ausentes de qualquer enleio
falaremos do exílio na pátria
que não no Olimpo
e soltaremos cada hora
roubada ao nosso momento
quando o dia acabar
e o abrigo de rosas secar
cada um de nós partirá
tranquilo
para o seu jardim indefeso
porque
as nossas mãos continuarão vazias
e os nossos sonhos
esses
estarão guardados no intervalo do tempo
o cansaço alonga-se
nas ruas da cidade
exilada
sem rios para desaguar
a dor
roça as paredes das casas
e espraia-se nos bancos
dos jardins
não há notícia das chuvas
nem dos bandos de corpos
que mastigavam a sede
sobrevivem
meia dúzia de janelas
indefesas
e os acenos da memória
o último habitante feriu-se
quando tentou escalar
os dias
Ângela de Almeida é uma poeta portuguesa, também investigadora, natural da cidade da Horta, onde viveu até aos 16 anos de idade. Colabora com organismos regionais e nacionais, participando também em colóquios e congressos, promovidos por instituições portuguesas e estrangeiras. No domínio da poesia, publicou sobre o rosto (1989), manifesto (2005), a oriente (2006)caligrafia dos pássaros (2018), estado de emergência, em coa-autoria com Henrique Levy (2020, Confraria do Silêncio). Publicou, também, a narrativa poética, o baile das luas (1993), três ensaios e dois livros de viagem.
João Gabriel Madeira Pontes nasceu no Rio de Janeiro, em 1992. É autor de Indiscrição (Kazuá, 2016), Entropias de eixo e beira (Enfermaria 6, plaquete digital, 2017; Caju, versão em jogo, 2018) e Saúvas avulsas (Garupa, 2019).
É de Coimbra e vive em Coimbra. Já foi a outros sítios mas prefere Coimbra. Escreve programas de computador durante o dia. Gosta de escrever poemas e histórias no resto do tempo. Gostava de ser escritor. Também gosta de fazer fotografias, de café sem açúcar, de dias quentes o suficiente para se andar de calções à noite, dos filmes do Steven Seagal e de preparar o próprio gin tónico. Gosta muito de ler.
“Up among the stars we'll find a
harmony of life to a lovely tune”
- Diana Krall
“Alguém se metia no teu silêncio”
- Santos Barros
Miradouro de Santa Iria, norte de S.Miguel, Ribeira Grande, Açores.
*Diana Krall: https://www.youtube.com/watch?v=ElAP4LF4a1o
Nota: Vítor Teves não tem nenhum talento para ler poesia (faltou a todas as aulas de teatro), mas ele insiste porque está farto de leituras estandardizadas, feitas sempre à volta dos mesmos poetas.
Livros, filmes, ideias.