Esperando o Café  

Enquanto espero que a água suba e o café desça,
Releio “Lament for Bukowski”, já não é manhã,
A noite passei-a a dialogar com uma encefalopatia hepática
E uma parede, ambas queriam comprar cigarros
Às três da manhã, numa cidade fechada,
Bens essenciais, subitamente a água sobe e quando cai
No nível superior já é café, o Bukowski continua
No seu caixão “dead as hell”, também o Al Purdy,
Não me lembro do que era antes de cair,
Talvez nunca tenha sido puro, a vida também isto,
Um lamento crescente, um poema que nasce de outra dor. 

08.03.2021
Turku

 

Yosano Akiko, "Dores de Parto"

Hoje estou doente,
doente no meu corpo,
de olhos abertos, emudecida,
estou deitada na cama de parto.

Porque é que eu,
tão acostumada à proximidade da morte,
da dor, do sangue, do grito,
agora tremo incontrolavelmente de temor?

Um jovem e agradável médico tentou reconfortar-me,
e falou sobre a alegria de dar à luz.
Uma vez que eu sei mais do que ele sobre esta matéria,
de que me serve o seu tagarelar?

Conhecimento não é realidade.
A experiência pertence ao passado
Que se calem então os que carecem de urgência
Que os observadores se contentem com observar. 

Eu estou sozinha,
perfeitamente, inteiramente, absolutamente entregue a mim mesma,
mordendo os meus lábios, segurando o meu corpo rígido,
servindo um fado inexorável. 

Existe apenas uma verdade.
Darei à luz uma criança,
a verdade movendo-se do meu interior para fora.
Nem bom nem mau; real, sem que haja nisto falsidade.

Com as primeiras dores de parto,
subitamente o sol empalidece.
O mundo indiferente fica estranhamente calmo.
Eu estou sozinha.
É sozinha que eu sou.

Cantiga Oitava

O apego vai ser melhor
que a solidão
quase canta assim
e assim carrega o Benjamim
e a gente vai atrás
vai atrás e acredita
a gente pisa nas mais lentas
e baixinhas sílabas
e com elas monta a mensagem
quer ficar nesses emblemas
para guardar e pelos meses
capazes de transportar
naquela rima que fica 
e desenha a cambalhota
da passagem
uma qualquer
e então sim
estilos da malta à janela
fica um bocadinho melhor
na solidão

de Cantigas da Malta à Janela [inédito, 2021]

“Um Comboio para a Lapónia”

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Como um amor antigo
o Sol toca
a barba gelada. 

Silenciosamente
parte o comboio
quase vazio. 

Quem pisará este chão
quando a neve
uma recordação? 

Que respostas procuro
na lareira
que crepita? 

Aproximo as meias de lã
à lareira estrangeira –
quando um abraço? 

Rodeado por silêncio
branco
a noite estende-se.

Enquanto as batatas
cozem
o peixe espera.  

Que palavras dançam
nas chamas
desta lareira? 

Dois livros
meia-dúzia de paus
e uma noite. 

Protegido por madeira
queimando madeira –
nem uma queixa. 

Uma chávena de café
uma lareira
e todas as distâncias. 

Sobre o mesmo galho
corvos e pombos
aproveitam o Sol. 

Na mão nua
derrete
um punhado de neve.

 

Nos olhos do peixe
uma vida inteira
que passa.

 

No fuso de gelo
o brilho inteiro
de uma estrela.

 

Arrefecem as brasas
nunca esquecerei
as chamas.

 

Iluminado pela lareira
brilha na tua pele
o meu esperma.

 

As crianças fazem
o boneco de neve
como se o Inverno interminável.

 

Neva sobre a pegada
brevemente
ninguém passou.

 

O bruxulear
das últimas chamas
numa noite gelada.

 

Não sabes quão longa
será a noite –
aproveita a última chama.

 

Nunca conseguirás
reacender o que ardeu
até às cinzas.

 

Subir a montanha branca
descer a montanha dourada –
anoitece.

 

Amanhece na montanha
encolhido chego-me
à lareira apagada.

 

Preparo-me para descer
a montanha –
começa a nevar.

 

Esta dor nas costelas
ao inspirar
porque estou vivo.

 

Morreu-me
um amigo –
é tudo.

 

Voltei a sonhar
com o meu amigo –
dia de sol.

 

Reflexo na janela
do comboio –
que fiz dos anos?

 

Pyhä, Fevereiro 2021


* Título pela Tatiana Faia