Exercícios sobre a espera I

Eu não sei quanto a você, mas os peixes 
estão cada vez mais tristes nas fotografias 

Desenho um jardim para as plantas 
onde ele entregaria o corpo cansado 

De manhã compro ovos 
sou bem mais útil do que a tarde 

De tarde molho as plantas 
de tarde fumo cigarros 
e estudo a arquitetura da casa 

De tarde quebro os ovos 
amasso com farinha um bolo amarelo 
ofereço ao dia
 
A casa antiga 
eu desenharia um peixe em cada parede 
abro de tarde um livro antigo 

he knocks on the crown as though to 
dislodge a foreign body, 
peers into it again, puts it on again 

De noite a casa tem fantasmas 
a casa sou eu sou a casa 
as luzes acesas 
um livro que queima lento 

Eu ficaria pensando se não fosse aquilo tudo 
se não fosse aquilo tudo. 

Texto para o menino que por vezes me visita, quando se cansa de meninas, e que doravante chamarei de Maximin, como se este fosse o último bilhete de Elagabalus a Hierocles

Como o sol que incha e cresce, 
Maximin, são teus
a pujança, o tônus e a tesura. 
Quem-me-dera pudesse dar-te 
todos os dias 
o que é digno de tua condição 
cesariana, ou fosse eu a carruagem 
conduzida por tua potência 
equina, oxalá 
eu o cavalo que montas 
com maestria, charioteer, 
eu, tua cheerleader, que vivo 
da caridade do teu epidídimo, 
ora deixa-me 
descansar o pescoço 
extenuado sobre teu corpo 
esponjoso, meu cabelo 
confundindo-se com teus parcos 
pelos púbicos, já quase públicos, 
Maximin, tanta é a segurança 
com que te exibes no mercado 
e na ágora, maximiza-me 
em tua perene intermitência, 
diariza tuas doações 
tão fluidas sobre meu rosto, 
je vien, tu viens, 
então vem e quebra 
com teus sucos 
meu jejum, Maximin, 
minimiza minha idade, 
mexe-me contigo em mim, 
tantas são, miríade, 
as posições possíveis 
entre cavalgadura 
e montaria, Maximin, 
machuca-me 
à prostrada, naquele pontículo 
entre delícia e cicatriz, 
pois os cães pretorianos 
já se aproximam 
para arrastar-me aos gritos 
desse trono que usurpo 
quando te cansas do vúlveo 
e escalamos a torre de marfim, 
mas ainda assim trono 
onde se crê que alguma menina 
melhor sentaria, 
Maximin, e já sabemos 
qual será nosso fim. 

 
§ 
 
Ricardo Domeneck. Extraído das “Odes a Maximin”, inéditas. 

 

Os livros são de natureza mineral

Os livros são de natureza mineral. 
Alguns bebem-se outros se proliferam 
como água. Outros pedra, não fruta, 
rocha da onde brota a tua pele. 
Passa por cima uma formiga. 
Há capins vibrando 
vento e sol com sombra 
o musgo cresce, um mosquito 
entra na tua boca e você cuspindo 
cai na água que alguém 
numa cidade adiante 
distante, talvez 
sem mágoa 
vira a página 
bebe.

 

dentro de cada máquina escorre o sangue dos empregados

 Ernesto von Artixzffski, aka Sergio Maciel

 

dentro de cada máquina escorre o sangue dos empregados.
dentro de cada máquina escorre o sangue das empregadas, das mulheres e das fêmeas.
dentro de cada máquina, escorre o sêmen dos machos.
dentro de cada máquina. 

dentro de cada máquina há uma infinidade de pedras. 
dentro de cada máquina, há o choro das lâminas. 
dentro de cada máquina há o arrepio e o arrependimento. 
sempre dentro de cada máquina. 

dentro de cada máquina há ruas sem saída. 
dentro de cada máquina, há o cheiro dos mendigos. 
dentro de cada máquina, cai a neve esperada. 
dentro de cada máquina nunca nascerá nenhuma flor. 
dentro de cada máquina. 

dentro de cada máquina não cabe a lua. 
dentro de cada máquina, há divisões, cimento e dormitórios. 
dentro de cada máquina há sempre sirenes. 
dentro de cada máquina, cabe a noite e o peito devorado. 

dentro de cada máquina, o ar é fumaça. 
dentro de cada máquina, moribundos dormem sobre a ponta dos alfinetes.
dentro de cada máquina o banquete não sacia a fome de tantas bocas.
dentro de cada máquina não se faz sexo. 

dentro de cada máquina sempre haverá uma navalha para cada carne. 
dentro de cada máquina não existe a lembrança das coisas. 
dentro de cada máquina, há o pó, a pólvora e o fumo. 
dentro de cada máquina, sempre dentro de cada máquina, 
há insetos decrépitos, agrupados, abandonados e sós. 

mas apenas dentro de cada máquina.