Selima Hill, Charlotte

Tradução de Hugo Pinto Santos

Ela vem até ao jardim
trazer para dentro a roupa estendida.
Eleva os braços

até às camisas do marido
como devota e logo
produz um belo monte com elas.

Asas, velas, cúpulas,
estais dobradas e
prontas para o ferro...

E ei-la agora, pacificada,
com a frigidez da roupa
aninhada nos braços.

Selima Hill, London Review of BooksVol. 4 No. 4 · 4 March

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Selima Hill, Alfaces

tradução de Hugo Pinto Santos

Este poema é um poema sobre ti.
Vou deitar-te sobre a cama
e tudo o que tu tens de fazer é ouvir.

Sento-me ao teu lado na cadeirinha.
E é, de facto, aqui que o poema termina –
precisamente quando estou prestes a perdoar-te.

(Este poema está a ficar cada vez mais pequeno.
Era um poema sobre alfaces.
Era verde luminoso e irreprimível.)

Selima Hill, Trembling Hearts in the Bodies of Dogs: New and Selected Poems, Bloodaxe Books, 1994

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Raposa em Fato de Homem

 

Michael Symmons Roberts 
De 
The Half Healed, Jonathan Cape, 2008
Tradução de Hugo Pinto Santos

 

 

Mascarada e enluvada, cerdas alisadas
sobre o dorso, enfraquecida debaixo do calor, 

a raposa fica em silêncio nas recepções,
atenta a palavras erguidas em defesa, fundos públicos.

Emissária dos bosques silvestres, agente
do lado de lá, a cabeça oscila

ao vinho, os canapés, dá-lhe vómitos o fedor
das pessoas, a carne e o suor delas.

Quando vêm táxis, esgueira-se por cozinhas,
põe-se de quatro (ainda em traje formal),

dispara a correr por ruas escusas
como um senhor ferino até dar com zonas limítrofes

onde – rasando a casca de uma árvore –
lhe sai a pele de homem

como uma sépala expõe a lisa vermelhidão de uma flor.
Uma língua que sorve no frio, 

focinho no bolor das folhas, fundura de juncos, cabos
de aço, de instinto. Só eu fui testemunha

e tomo-o como ressurreição (pele abandonada,
o além como alma de raposa), portanto observo

num pasmo e abrando o fôlego até que lhe seja
possível ver, e uiva, uiva.

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Dois poemas de David Harsent

Tradução de Hugo Pinto Santos. 
Ambos os poemas foram anteriormente publicados na edição online do Público

Franco-Atirador

Estou abrigado aqui e longe da vista. Estou abrigado aqui em cima
na torre sineira de Nossa Senhora da Vingança: aqui é o meu lugar,
bem provido e com tudo em ordem. Esta torre foi erguida no ano de
tal e tal, o ano do corvo, ano da nossa desgraça.
Estou abrigado aqui em cima à sombra da cruz,
com abafos para os ouvidos, tenho a minha manta e um colchão de palha,
ajoelhado, mas olho para baixo, como um homem a rezar.

Uma mulher atravessa a praça levando água.
Corre lenta, corre para não verter. Depois uma criança, à vista
desarmada, segue numa diagonal e corre como uma lebre
numa esquiva. Estou aqui ao abrigo, certinho, com uma salsicha e uma cerveja,
um fogareiro para me deixar os dedos livres. Passam os dias.
Estou perfeitamente aqui neste aconchego, a minha toca;
tenho onde pousar a cabeça, lugar onde mijar
e, como contraditório cómico, as aves dos ares.

Com um olho sobre a mira, o mundo fica por perto,
particular: este avô que abraça uma sobra, cabelo a cabelo
na cabeça, olhos orvalhados, no bolso a moeda
de antes da guerra, presa a uma corrente, o tecer do casaco. Além,
junto ao meu amigo, o Homem da Marlboro, é onde
me sentava a beber um café de manhã: o café do Arno,
uma máquina de flíperes, a jukebox, a rapariga com a cara da Madonna
até lhe vermos os detes; inclinava-me na cadeira
contra a parede a apanhar sol. Vão a medo. Vão com medo
de mim. E aonde vão, vão com as minhas boas graças.

Estou aqui em cima com muita coisa de reserva.
O céu da noite inunda-se, depois clareia, desfralda uma só estrela,
e a cidade recolhe ao silêncio debaixo da minha arma.
A mulher, a criança, o avô, não são coisa nenhuma, ou nada mais
do que a história pode ignorar, ou o amor apagar.

 

Mergulho

Um pouco mais fundo, a luz perde-se dela. Primeiro
mal se pode tocar a superfície – há formas que podiam ser nuvens
pássaros em  voo... Ela pousa a cara na espuma,

a ver pela última vez o mundo de onde veio, uma frágil
impressão de vozes que esmorecem enquanto ela se escoa
desde a alvorada até ao anoitecer, um sombrear glauco que vai

primeiro ao azul, depois mais que azul, e logo a um azul nunca visto
por ninguém que não ela, e aquele lento curso descendo disposto a cindir
tudo quanto ela tinha ou queria, tudo o que ela havia sido.

 

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Selima Hill, 'Posso, por favor, ter um homem '

Tradução de Hugo Pinto Santos

Posso, por favor, ter um homem que use bombazine.
Posso, por favor, ter um homem
que saiba 100 nomes diferentes de  rosas;
que não se importe com os meus coelhos distraídos
 que vagueiam por aqui e por ali
como se fossem donos disto,
que me faça um caril cremoso com erva-cidreira fresca,

que caminhe como Belmondo em A Bout de Souffle;
que pendure todos os meus postais cuidadosamente selecionados -
mandados de cidades exóticas
às quais ele não espera ir comigo,
mas aonde iria se lhe pedisse, o que farei -
com mais niguém, na parede do seu quarto,
a começar por Ivy, o Famoso Porco Mergulhador,

de cujo retrato, em acção, comprei dez cópias;
que também fale como Belmondo, com lábios tão suaves
e tão firmemente desenhados como botões de peónia
cobertos de chocolate (chocolate fundente);
que saiba que postar-se ébrio sobre mim
como um edredão com estofo de livros da biblioteca e sacos de compras
é muito fácil: posso, por favor, ter um homem

que não esteja disposto a fazer isso.
Nem esteja disposto a dizer-me que estou bonita.
Que, quando eu saio apressada da casa de banho,
como um leitãozinho aprumado,
que não quer mais do que uma pândega
de afecto e indisciplina, sem complicações,
abra os braços como uma gamela para eu mergulhar. 

Selima Hill, Violet, Bloodaxe, 1997

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