Depois de Bashô

1.

Cobras esventradas
na estrada ― chegou
o Verão

 

2.

A voz de Kerouac
o gato e uma bola de papel:
a casa menos vazia

 

3.

Trinta alunos a olhar
pela janela
o Outono lá fora

 

4.

O gato
tapa o focinho —
Inverno

 

5.

O prédio
em silêncio: hora de ponta
nos subúrbios

 

6.

No chão da cozinha:
a Lua — prato
donde come o gato

 

7.

Relógio:
água a pingar da
torneira

 

8.

Roupa no estendal
da cozinha —
chuva lá fora

 

9.

Na cadeira
o gato observa
cavalos a relinchar

 

10.

Cabeça entre
as mãos — teste
de Matemática

 

11.

Análise sintáctica:
sujeito nulo —
poeta

 

12.

O meu
Monte Fuji: Fraga
da Cruz

 

13.

Durante as aulas
alunos pelos corredores —
Psiiiiiiiiiiiiu!

 

14.

Da sala sete
o pinheiro do pátio
parece um bonsai

Trump, democracia e Stephen King

Donald Trump veio agitar as águas meio adormecidas da virtude democrática. Sempre houve, sempre haverá, anti-democráticos, algo, aliás, que a própria democracia não só deve aceitar como estimular, caso contrário entra em auto-contradição e tenderá a cristalizar. Mas com Trump as dúvidas adensam-se, mesmo no país onde, como referiu Tocqueville, as “ideias democráticas constituem uma forma de religião cívica”.

Ultimamente, escreveu-se muito sobre o declínio da democracia, evocando como prova o candidato à Casa Branca do partido Republicano. “Se uma personagem tão insensata e mentirosa pode liderar o país mais poderoso do planeta, então a democracia não pode ser um bom regime político!” Ora, é justamente porque quase tudo cabe na democracia, isto é, na vontade do povo (manipulada ou não, esta é outra questão), que Donald Trump pode ser Presidente. Noutros termos, se houvesse critérios de virtude irredutíveis para a escolha dos candidatos, então não seria uma democracia, mas uma normocracia, se me permitem o neologismo. Mais, imaginem que todos eles tinham de ter dito “a verdade, e nada mais do que a verdade”, quantos seriam verdadeiramente elegíveis? E não me refiro a mentiras piedosas.

Dito isto, sou relativamente agnóstico em relação às eleições americanas porque não quero prenunciar-me com base em preconceitos, mas parece-me que só a cair de bêbado votaria em Donald Trump. Justificação? Desagrada-me o seu carácter (o visível) e a sua mensagem (nacionalista, belicista e quase racista). Mas mais do que isto, escolho como minha a argumentação que Stephen King (raramente o li) expôs no The Guardian, Agosto de 2016:

“Não acredito no suposto nivelamento por baixo dos americanos; mas, à medida que a leitura quotidiana perde terreno – e é o caso –, o pensamento analítico também decai. A leitura é um prazer, e para mim isto é muito importante; todavia, ela estimula também os sentidos e permite detectar claramente o cheiro da imbecilidade. […] Em mim, não é o democrata que Trump arrepia, mas o escritor e o leitor. Ouvir os seus discursos é como ouvir um piano a cair numas escadas. Só se ouvem notas falsas, nada de música. Vou realmente lamentar Obama... Nas suas palavras havia sempre poesia, música...”

Nota matinal sobre Michael Moore in Trumpland

 

Embora Michael Moore seja realmente bom a escolher títulos cativantes para os seus documentários, não parece possível evitar um certo desapontamento depois de ir para além dos títulos. Os seus filmes carecem sempre de alguma substância e até de sentido crítico. A voz de Michael Moore é omnipresente mas falar imenso não é o mesmo que ter pensamento crítico. Abundam os lugares-comuns e a ligeireza ou superficialidade. Ao contrário de outros documentaristas, Moore não se inibe de dar opiniões e não deixa as imagens e os participantes dos seus filmes falarem por si. E assim, como foi publicitado pelo próprio, Michael Moore in Trumpland não é um documentário, nem uma peça sobre Donald Trump, sobre os apoiantes de Trump, sobre Hillary Clinton ou sobre as eleições americanas. Não. Este filme é centrado na figura de Moore. Moore discursa para uma plateia de apoiantes de Trump, elogia as qualidades e critica os defeitos dos candidatos às eleições e faz o que faz melhor, provoca. E provocar é tão bom quando se quer chegar a algum lado. Mas Moore nem sempre quer chegar a algum lado. Ouve-se a sua voz, o seu sarcasmo, até as suas reflexões sobre a Estónia, durante hora e meia. É com um coração cheio de tristeza que se conclui que Michael Moore perdeu a oportunidade para descrever um fascinante fenómeno sociológico que poderia ser chamado de trumpismo.

Eclipse

Augusto Monterroso
(Obras Completas y Otros Cuentos, 1959)
Tradução de Patrícia Lino

Quando frei Bartolomé Arrazola se sentiu perdido aceitou que já nada poderia salvá-lo. A selva poderosa de Guatemala tinha-o apressado, implacável e definitiva. Perante a sua ignorância topográfica, sentou-se com tranquilidade à espera da morte. Quis morrer ali, sem nenhuma esperança, isolado, com o pensamento posto numa Espanha distante, particularmente no convento dos Abrojos, onde Carlos Quinto consentira uma vez descer da sua eminência para dizer-lhe que confiava no zelo religioso do seu labor redentor.

Ao acordar deu por si rodeado por um grupo de indígenas de rosto impassível que se dispunham a sacrificá-lo em frente de um altar, um altar que a Bartolomé pareceu o leito em que descansaria, por fim, dos seus temores, do seu destino, de si mesmo.

Três anos no país tinham-lhe conferido um domínio mediano das línguas nativas. Tentou algo. Disse algumas palavras que foram compreendidas.

Floresceu então nele uma ideia que tinha em conta o seu talento e a sua cultura universal e o seu árduo conhecimento de Aristóteles. Recordou que para esse dia se esperava um eclipse total do sol. E decidiu, no seu mais íntimo, valer-se daquele conhecimento para enganar os seus opressores e salvar a vida.

— Se me matais — disse-lhes — posso fazer com que o sol escureça na sua altura.

Os indígenas olharam para ele fixamente e a Bartolomé surpreendeu a incredulidade nos seus olhos. Viu que formaram um pequeno conselho, e esperou confiante, não sem um certo desdém.

Duas horas depois o coração de frei Bartolomé Arrazola vertia o seu sangue veemente sobre a pedra dos sacrifícios (brilhante debaixo da opaca luz de um sol eclipsado), enquanto um dos indígenas recitava sem nenhuma inflexão de voz, sem pressa, uma por uma, as infinitas datas em que aconteceriam eclipses solares e lunares, que os astrónomos da comunidade maia tinham previsto e anotado nos seus códices sem a valiosa ajuda de Aristóteles.

Três poemas de Luriel Lavista

Azucena 

me dices: miserable
yo aquí peinando tu sucio cabello
en este inacabado piso con el foco desconectado
mientras describes esa alma que nunca fue tuya
ahora alejada por tu arraigado infortunio 

en los días de brizna
es cuando veo que más la deseas
pero aun así no tratas de buscarla
prefieres salir a torear los autos en la carretera 

recordando deseos inútiles
malas teorías insondables
de lo bien que estaría pasarla en una de tantas provincias
creyendo sobrevivir sólo de mezcal y pescado 

sí, he visto que tardas más ebrio que trabajando
no me gustaría verte así en un par de años
cuando tu cuerpo acabe de derramarse
y tu memoria sólo sea un par de palabras sueltas. 

tienes frente al espejo una máscara
que siempre está cambiando de posición
mientras dices llegar a una idea exacta
de cómo desentrañar tu malograda existencia 

mejor ocúpate en desechar ese idilio
y nos veremos al aventarnos otro farolazo
a ver si se esparce ese reflejo
con tu aliento cáustico.

 

Huésped

entre acostumbrado a la oscuridad
a esas paredes cuarteadas
por la nueva obra del gobierno,
la imagen acartonada de un santo
casi hizo que me resbalara
instintivamente después supe donde pisar

las sabanas electrificadas me recibieron
aunque estaba temblando
sus piernas terminaron de encubrirme,
sin encontrar completamente su cuerpo
después de un rato terminamos
no hubo palabras ni besos

desperté aguantando la respiración
sus manos se empezaban a enfriar
mi rostro con el suyo reconocían que faltaba poco
toque sus piernas que se fueron desprendiendo,
busqué mi licorera y me vestí sin hacer ruido
le recordé que tenía ya todo listo

su esposo enfermo tosió desde la otra habitación
maldiciendo por su medicamento
oí espontáneamente un llanto,
un camión subir el nuevo puente vehicular,
la brisa al correr por debajo de la puerta
lentamente aclaro la habitación

baje la escalera de caracol
dejando la ventana entreabierta,
observe pacientemente casi una hora
desde el lado opuesto de la avenida
recargado en una columna de otro edificio
hasta que ella molesta término por cerrarla

parecía una buena jugada
después de todo cuál era el temor
la posibilidad o el compromiso,
amanecía y no tenía dirección
encendí cuidadosamente un cigarrillo
y comencé lentamente a caminar entre la gente

 

Un único tiempo

                                                                               Para el Guitarrista

 
inesperado despertar
ante las bocanadas
se hunde poco a poco
se enreda al sediento humo,
en su microcosmos
la mente burla otra visión
revolcado en la mirada embrutecida
por el azote de su propia exhalación,
trata de diferenciar
entre las letanías de su alrededor
la doble combustión
que le trae su mano temblorosa,
sus ojos hundidos en el alcohol
constantemente terminan en la saliva
en la tierra floja que empuja su pie
en el deslizamiento de la cortina
retrocediendo hacia la mancha,
allá en el fondo de la puerta
avanza una voz
subsiste por no sé cuanto tiempo
en la debilidad de su atención

“ay de ti
que al entrar a lo despoblado
busques la posición más reducida
aquel suelo tan hondo
cuyo alcance sea una migaja,
no te pienses ni un momento quieto
sobre la desembocadura
que te da la unicidad
contente, solo espera
y ante todo resiste,
al menos una vez olvida todo cuanto tienes
párate en medio de la calle
y siéntete poseedor de vida”

en el ánimo de continuar
se pregunta como se debe vivir
en estos tiempos de esperada catástrofe,
pero en un hombre común
que solo se abastece de aproximaciones irreales
no parece tener una concepción relevante ante el deber
mas puede decir ahora mismo
que se impone la respiración
cortando esas largas olas
del mar abierto que es la borrachera

“que mas da el bramido del día o la noche
siempre hay un vaivén, un chingadazo
en el mero costado de la vida
la comodidad determina la ceguera,
en la sumisión de almas
esta la risa desesperada
de la inconsciencia”

la luz aquí es buena
poco a poco le llega un recuerdo
avienta el vaso de veladora
que deja de trasparentar calma
el cigarrillo se estampa en la pared
carcomida por ciertas figuras absurdas
manotea el aire viciado de las carcajadas
desde su boca arroja improperios
que nadie alcanza a contestar
porque se agota su paciencia,
y sale hacia el aire húmedo
avanza desde entrecortados pensamientos
que no podrá retomar
sus ojos parecen cerrarse
y en el baldío que esta enfrente del tugurio
cree ver ese bello jardín,
acariciando la hierba
se desploma

acaso es el cero de un bestia
y el infinito de un dios
del que hablaba Monsieur Teste
o solo es un ser
con una mente enferma
que en momentos luminosos
arranca de entre toda su miseria
un rasgo de aparente inmensidad;
vuelvo a pedir otro trago
del más barato licor
que aún puedo pagar
mientras el aire golpea la ceniza
que no he dejado caer
bebo tranquilamente
y me recargo en la pared
solo sigo esperando
a que termine de oscurecerse
allá afuera