Prometeu

Havia um grito de carne
os desapossados clamavam por ele
queriam um novo ideal para lavar as suas vidas
andavam entre esquinas
onde bruxas empunhavam galos mortos
não só de espanto mas também de medo ontológico
por esta beata vita que levamos

Era um corpo penteado por poemas
agora receitados num manual de português
o bom gosto da burocracia outorgava bênçãos
com as quais todos queriam adormecer
sincronizar o seu respirar e sonhos
e Houve até quem tenha heroicamente encostado o ouvido
no peito da ínclita mulher besta
descobrindo prosódia contudo no bater orgânico do cânone

E seriam os revolucionários afinal pós-materialistas snobes
por o terem olhado do fundo do seu desprezo?
E seriam os poetas marginais obscenos
por terem subido às cúpulas das catedrais dos impérios
para escrever com a merda dos esgotos queremos mentiras novas?

Nenhuma oferta de leitura grátis se oferece ao viandante
já nos tinha dito o profeta quando ainda havia filólogos
que dominavam o suficiente as raízes das palavras
para compreenderem uma não desprezível réstia da carcaça
usada por um habitante da profundeza do mar

As ondas salpicam-nos a pele
É um facto
Mas ainda não sabemos
Como lamber a crosta do sal