Esfera

Um tempo
não circular, mas esférico. 

Durante três dias caminhei pelas ruas desta cidade,
sem repetir uma só. Caminhei.
Todas as ruas por mim caminhadas desta cidade.
Durante três dias (esféricos).
Porque eu não sabia quando acabava.
Terminar uma cidade em três dias (esféricos).
Nunca se sabe quando acaba,
caminhar não sabendo quando.
Caminhei a noite e o dia das ruas
sem saber o quando da cidade no seu fim.
Porque as horas não se repetiam
nas ruas que eu não repetia.
Não sabia o quão acabado estaria o tempo
na cidade esférica. Caminhei.
Não soava a bomba das 13. Não soava.
E nas ruas não cheirava a refeição, a alimento.
A noite e o dia misturavam-se nas ruas.
(Era uma cidade híbrida temporalmente.
Tinha quarteirões mergulhados na noite,
aqui e ali pontuados com algumas ruelas
de alvorada.
Depois, atravessava-se uma estrada perpendicularmente
e era tarde ardente do outro lado)
Não sabia onde acabavam as coisas e o tempo nas coisas
desta cidade. Caminhei.
Entrei num bairro de sol-posto. Já sem sol.
Era uma tenda de circo muito antiga.
Vermelha e branca, muito suja. Tinha rasgos enormes.
Entrei. Não sabia onde nem quando acabava. Entrei.
Em certos buracos da tenda entrava o dia. O dia minguando.
Noutros, era a noite a escorrer os seus óleos.
Era muito velha. Estava ali há muito. Tinha buracos,
e alguém chorava no topo das montanhas
que ali havia. Choravam. Também eles não sabiam.
Havia mães muito velhas, muito tarde,
amamentando animais ainda informes, quase sem cor.
Os olhos ainda colados.
Amamentavam quase sem forças.
Estavam todos pintados, prontos para o seu número.
Mas morriam. Preparados, morriam de velhos.
Os palhaços, preparados, desistiam…
bêbados de um tempo que os incalculava a velhice.
Há muito que passaram o seu tempo.
[Mas continuam ali. Não sabem onde acaba.]
Havia ossos de animais no chão. Ossos muito grandes,
coisa de muito tempo.
As coisas morriam de velho.
Eu via-os desaparecer por debaixo do pó, um a um
A sua graça antiga, preparada, morrendo.
Sentei-me numa cadeira. Estava cansado.
Ninguém sorria por me ver. Ninguém me via.
Eu não sabia onde acabava. Três dias, caminhando,
sem repetir as horas nas ruas não repetidas.
Nada voltando ao início. Nada recomeçando.
Um palhaço, sentado numa pedra, envelhecia.
Morria de velho, preparado. Pintado para o número.
Esticou-me a mão e disse-me:
-Toma. Este foi o meu relógio d’infância. Agora é teu.
Olhei para a mão: um berlinde.
Ninguém começava o número. Preparados, não começavam.
Um berlinde. O tempo não se repetia.
Três dias caminhando nesta cidade.
Sem repetir as horas nas ruas não repetidas.
Não sabia onde acabava. Caminhei. Leigo do fim.
As coisas morriam de velhas.
Estavam ali há muito…
Não sabia.