nem tudo é um mal de rosas

há batidas na porta. a madeira chama a mão que vibra. alguém nos aguarda e alguém nos procura. quantas mais vezes vamos precisar de racionar a febre de querer somente um corpo de igual para igual. um corpo que se reconhece em ser danificado. corroído por calor, por palavra e por ser somente um corpo: aberto, recíproco e intransponível à imanência


o escritor apaixonou-se por uma mulher que não o lê, e o desamor tornou-se beleza fúngica


existe um dialecto próprio no qual o coração ficou sujeite. um que martiriza a tentativa de viver tudo em grito. há, de facto, mais esforço para renovar a inominável. e o escritor, que constrói a vida na escadaria das palavras, fica encostado no lado direito, pois é nesse que se é ultrapassado. podia continuar, mas a linguística é pele a ser esperada e não coagida. a cada gota de suor que uma letra solta é um dia menos de contemplação.


chegas a casa e as pessoas lembram-te quem tu és. chegas à natureza de onde és origem, e as terras que pisas sabem o teu nome e ainda guardam o molde do teu pé. em forma de lembrança, de teima, ou de simples coágulo epulótico. chegas a casa e há um significado no teu corpo. chegas a casa e uma feitiçaria faz-te sorrir por entre os olhos da saudade, num acto de loucura ou de fé, e na validade das duas, compreendes a fragilidade da tua raça. és homem de poucos pedidos e um só tamanho. chegas a casa e percebes as saudades que tinhas do barulho da máquina de lavar. chegas a casa e emocionas-te com as tuas próprias palavras. chegas a casa e a voz da tua mãe é música que te leva para dentro de todas as memórias onde foste somente um corpo feliz, sem medos, arestas, ou nequícia. chegas a casa e as plantas mostram-te a circularidade da vida com a morte, presa num casulo de orvalho que brilha perante os seus últimos segundos de existência. chegas a casa e nada mais interessa, porque nunca nada mais interessou. não te interessa a verdade, a realidade, os cigarros ou descobrir o amor de uma mulher. quando chegas a casa, em frente à janela da cozinha esvoaça uma borboleta desconhecendo a presença dos teus olhos, e ainda assim, tu significas. tu és. e tu sentes.