Sentado ao fogo, junto de minha mulher...

Rembrandt, Tobias e a sua mulher (1659)

Sentado ao fogo, junto de minha mulher, inquilina da minha solidão, recordo os anos da juventude. Nessa altura, o mosto fermentava nas caves da idade e nós aguardávamos o vinho maduro com a impaciência dos sóbrios. Tudo foi preparação. Os enforcados amavam as nossas travessias, as mães rezavam com as mãos postas sobre o linho corrompido pelo sal. Onde as aves desertavam, erguíamos um templo de suspeita e sedução. Eram os dias do amor e do arrependimento. Hoje sei que a embriaguez é só esta indiferença com que pressinto o sangue nos dedos da minha mulher que borda, e que a sabedoria nos abandona no fim. Ainda esta noite comungarei com Deus. Amanhã serei as uvas frescas na videira.

De Fome (inédito)