«Disseste-me, um dia, devagar»
/Disseste-me, um dia, devagar -
porque as coisas óbvias
levam o seu tempo -
que não existiria nenhum dia,
por mais pequeno que fosse
que a terra não pudesse devorar.
Tu choravas, como sempre fizeste
quando vias os outros nascer.
Quando te pariu, apesar disso,
a tua mãe enxugou-te exausta
com pena de teres vindo ao mundo,
assim como estavas. Ou nua.
Hoje quando me falas a tua nudez
envelheceu. Tornou-se minha,
partilhada ou desentendida
como as árvores que caem.
E porque espero eu que ainda digas,
passado todo este tempo,
que não sabes do que falo?
Um dia haverei de descobrir,
cedo demais, imagino,
que a tua pessoa não tem sítio,
e é quase mais certa do que eu.
Por isso, não me engano,
se te digo que quando te calas
sei que um dia e uma noite
são o mesmo deus.