Zero-a-zero - diz o Senhor Presidente
/Dizem que é para ti tarde para interails e ramos de noiva, que para ti é sempre novembro - que já pedalas com as pernas abertas.
Sempre foste curva normal, percentil sessenta, diziam que ninguém te iria esperar num dia de vento e chuva grossa.
Tens hoje dias cheios de horas, picas cebola como a tua mãe fazia. Compras cornetos, dormes a sesta, nadas costas, quinhentos metros bruços - casaste uma vez num cartório, tanta papelada, pensa na touca a tua cabeça.
Vais para casa, vês as colheitas, regas, descalço, os lírios, que te guardam o polibã.
Sais, tens horas até às duas, no café sempre aberto até à borra espessa. Falas com o Senhor Presidente - do duodeno, dos elevadores em luanda, do mar da figueira, de almoços de sandes, as fortunas aneladas, promoções de fiambre, as famílias que têm de vender as pratas.
Zero-a-zero - responde sempre o Senhor Presidente, quando alguém pergunta o resultado de um jogo preso num entretanto – o Senhor Presidente nunca acreditou na divisão dos vivos em vencedores e vencidos, em jovens promessas, manhãs desejadas, bem-conseguidas, a história escrita com a glória, alta, subida, dos vencedores.
Regressas a casa, lembras as virtudes de teres ido ao quadro, miúdo, na escola.
Deitas-te, pensas em arroz de tomate, na lena d`água, pequenina, olhas o teu dedo indicador direito, um prodígio na discussão de jurisprudências.
Apagas a luz, envias uma mensagem, afinal sempre vais – e levas mousse para a sobremesa.
Foi o Senhor Presidente que o disse, ao redondo da mesa, interrogando a esperança no final da noite - nunca é tarde para se dizer presente. Levantou-se, depois, aparentando gravidade e conhecimento de causa, e apontou o dedo para a chuva que caía encosta acima.