Julho
/De Julho,
o que fica
são as noites tépidas,
quando os velhos de mangas cavas
se põem a contar as feições lendárias
das suas conquistas antigas.
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
De Julho,
o que fica
são as noites tépidas,
quando os velhos de mangas cavas
se põem a contar as feições lendárias
das suas conquistas antigas.
À tarde, à noite, de madrugada, os jovens falam muito, alto, todos ao mesmo tempo.
Têm esperança, ainda.
O primeiro beijo deles foi na marquise.
Rezaram depois a primeira missa.
No dia seguinte, ouvia-se nas paredes,
tratavam já de simplificar o outro -
por razões afectas ao clima,
iriam estar – tinha-de-ser – um tempo fora.
Tudo tem o seu começo –
em janeiro, em abril, a meio de setembro.
Em marquises,
o que começa,
tende a anunciar,
desde logo,
sonhos perdidos,
um equívoco,
uma falsa partida.
Dizem que é para ti tarde para interails e ramos de noiva, que para ti é sempre novembro - que já pedalas com as pernas abertas.
Sempre foste curva normal, percentil sessenta, diziam que ninguém te iria esperar num dia de vento e chuva grossa.
Tens hoje dias cheios de horas, picas cebola como a tua mãe fazia. Compras cornetos, dormes a sesta, nadas costas, quinhentos metros bruços - casaste uma vez num cartório, tanta papelada, pensa na touca a tua cabeça.
Vais para casa, vês as colheitas, regas, descalço, os lírios, que te guardam o polibã.
Sais, tens horas até às duas, no café sempre aberto até à borra espessa. Falas com o Senhor Presidente - do duodeno, dos elevadores em luanda, do mar da figueira, de almoços de sandes, as fortunas aneladas, promoções de fiambre, as famílias que têm de vender as pratas.
Zero-a-zero - responde sempre o Senhor Presidente, quando alguém pergunta o resultado de um jogo preso num entretanto – o Senhor Presidente nunca acreditou na divisão dos vivos em vencedores e vencidos, em jovens promessas, manhãs desejadas, bem-conseguidas, a história escrita com a glória, alta, subida, dos vencedores.
Regressas a casa, lembras as virtudes de teres ido ao quadro, miúdo, na escola.
Deitas-te, pensas em arroz de tomate, na lena d`água, pequenina, olhas o teu dedo indicador direito, um prodígio na discussão de jurisprudências.
Apagas a luz, envias uma mensagem, afinal sempre vais – e levas mousse para a sobremesa.
Foi o Senhor Presidente que o disse, ao redondo da mesa, interrogando a esperança no final da noite - nunca é tarde para se dizer presente. Levantou-se, depois, aparentando gravidade e conhecimento de causa, e apontou o dedo para a chuva que caía encosta acima.
A proximidade do adjectivo revela, por vezes, que por baixo da sua singela roupagem, as suas costas são profundamente tortas.
O adjectivo decifrado num palco feito de usura quotidiana, não se intimida, e oferece gentilmente a sua fragilidade - um interior habitado de memória.
Adjectivar é, como sempre foi, uma coreografia sempre refeita. Uma tecnologia mais-que-perfeita. Ou melhor, um corpo em plano inclinado para a direita.
Livros, filmes, ideias.